Bem aventurados os que se deixam em paz

Janeiro. Você de férias, fazendo planos, comprando passagens, montando a mala, decidindo o roteiro, encaixando passeios, organizando a planilha de horários para cada atividade. De repente o voo atrasa, a mala fica retida, uma virose no terceiro dia de viagem incapacita o itinerário planejado. Viver não obedece roteiros, prazos e calendários. Viver é no susto, na capacidade de lidar com o que a gente não planejou mas a vida planejou pra gente, no perdão pelas imperfeições. Viver exige leveza e muito jogo de cintura caso a travessia saia dos trilhos ou falte linha para o arremate final.

A gente não controla, não prevê, não determina nada. Na maioria das vezes a vida é mais forte que a gente, e só podemos agradecer se de vez em quando nossos planos coincidem com os de Deus. Então o melhor jeito de curtir a viagem é entendendo que nem tudo sai conforme o combinado, e está tudo bem.

Há 4 dias voltei de uma viagem com a família para Foz do Iguaçu e uma virose derrubou nós três: marido, filho e eu. A viagem terminou antes do previsto, no hospital. Hoje, restabelecida e hidratada, me diverti com fotos de minha mãe em Minas, nossa terra natal. Nas fotos, ela e minha tia faziam uma espécie de tour gastronômico pelas lanchonetes e sorveterias da cidade. Sem contar calorias, sem se culparem pela ingestão de carboidratos e, acima de tudo, muito felizes, as duas brindavam a vida. Então pensei que isso sim significa estar de férias.

Estar de férias é conseguir deixar-se em paz. É desabotoar o nó do colarinho e descalçar os sapatos. É comer uma coxinha frita no bar da praça e por um instante não se preocupar com o colesterol. É virar o finalzinho da cerveja e pedir mais uma. É falhar no traçado do delineado e não fazer disso um drama. É não atingir a perfeição e mesmo assim ficar feliz com o resultado. É rir de si mesmo e não ter medo do que está por vir.

Viver nos culpando, buscando a perfeição e contabilizando prós e contras é cansativo e não nos permite avançar. Todo mundo sente medo, todo mundo tem dúvidas, todo mundo vacila de vez em quando. A diferença é que alguns sentem medo e vão com medo mesmo. Alguns erram e tentam de novo. Alguns perdem e não fazem disso uma tragédia.

Nesses dias em casa, de cama, me deparei com uma vovó no TikTok (@odilaperes ou “vovó Dide”) que me conquistou. A vó se maquiava, do jeito dela, em frente à câmera do celular. Sem nenhuma técnica, espalhava base, iluminador e blush (que ela chama de “blóche”). Sem enxergar direito, fazia uma delineado e passava batom. A maquiagem toda era feita em menos de 2 minutos e, mesmo imperfeita, ela se achava linda e batia palmas para si mesma. Maratonei inúmeros vídeos de maquiagem da vó e a aplaudo de pé. Pela capacidade de se achar linda mesmo não estando perfeita. Pela coragem de se expor mesmo não sabendo se maquiar. Pela capacidade de fazer o melhor que pode com o pouco que tem e ainda assim estar feliz e satisfeita com o resultado. Pela sabedoria de saber se deixar em paz, sem grandes cobranças, grandes neuras, grandes culpas.

É preciso acreditar que as coisas vão dar certo, mesmo que não estejam dando certo no momento. É preciso confiar que se você fez o que pôde, era tudo o que você podia ter feito. É preciso aprender a se deixar em paz, sem se exigir além da conta e sem se censurar por ser exatamente quem se é.

Bem aventurados os que se deixam em paz. Os que dão férias para as neuras, autocobranças e mania de perfeição. Os que se liberam de medos e culpas desnecessárias. Bem aventurados os que conseguem enxergar a vida como uma grande travessia que, apesar de dura, também pode ser prazerosa. Os que acreditam, com otimismo, na renovação de ciclos e nos recomeços que acontecem diariamente, silenciosamente, mesmo que a gente não perceba. Feliz 2024!



LIVRO NOVO



Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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