Vale a pena forjar sorrisinhos ao lado de quem nos faz mal só para não causar climão?

Essa semana, no consultório odontológico, após atender um simpático senhor de 72 anos, o mesmo se despediu e depois de agradecer me perguntou: “eu me comportei bem, doutora?” fui pega de surpresa com a indagação, que mais parecia ter saído da boca de um garotinho querendo a validação da professora. Acho que ele percebeu minha surpresa, pois em seguida completou: “Você acha que eu tive bom comportamento? eu até senti dor em alguns momentos, mas nem precisei levantar a mão e interromper o seu trabalho”. Percebendo que o homem falava sério, elogiei-o com entusiasmo: sim, seu comportamento foi excelente! parabéns!

O paciente me recordou a mim mesma, numa época em que viver uma vida que agradasse aos outros era mais importante do que viver uma vida que me  agradasse. É claro que no caso do paciente, um homem adulto gozando de boa saúde de suas faculdades mentais, o mínimo que se espera é ter bom comportamento no dentista; mas o fato dele buscar essa validação, um elogio ou apreciação denuncia o quanto ele carece dessa aprovação, e o quanto ele se esforça para ter esse reconhecimento.

Fui criada numa família católica tradicional mineira, e durante muito tempo escutei que certos assuntos não deveriam ser comentados, que certas coisas deveriam ser esquecidas, que certas pessoas eram bem-vindas mesmo que tivessem cometido transgressões inaceitáveis. Quando a gente cresce aprendendo que deve se calar para não criar mal-estar, se omitir para não gerar saia justa, fingir que está tudo bem para não provocar climão, ignorar nossa dor para não acarretar um embaraço… chega uma hora que acordamos e entendemos que não fomos protegidos. Ao contrário, fomos calados em prol da “política da boa vizinhança”.

Até que ponto é tolerável abrir mão de quem somos em prol da boa convivência e dos bons costumes? Vale a pena forjar sorrisinhos ao lado de quem nos faz mal só para não causar climão? A hipocrisia é mais aceita que a autenticidade?

Viver uma existência de aparências, fingindo que nada de ruim acontece, negando as dores e colocando para baixo do tapete os traumas faz da nossa vida uma vida feliz?

É preciso maturidade para encarar os porões escuros e entender que não precisamos permanecer ali, mas fingir que eles não existem também não resolve. É preciso encará-los, para então ventilá-los.

Romper com a hipocrisia é difícil, principalmente se você foi criado com ela. Viver uma vida autêntica, fiel ao que você acredita, sem medo de não corresponder ao que esperam de você e sim coerente com o que seu coração sente, é desafiador e nem sempre visto com bons olhos. Quando nos acostumamos a receber amor em forma de aprovação e elogios, nos viciamos no perfeccionismo, e ele nos rouba de nós mesmos.

A autenticidade não existe sem coragem. É preferível não ser amado do que trair a nós mesmos em busca de aprovação. Já não me interesso por cafezinhos com quem me trata mal só porque preciso manter a política da boa vizinhança.



LIVRO NOVO



Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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