Não permaneça em lugares que te machucam repetidamente

Outro dia, após agendar manutenção do megahair com minha cabelereira, me lembrei da dor que senti na última sessão. E na penúltima. E na antepenúltima. Revi o sofrimento que foi permanecer naquela cadeira enquanto ela puxava os fios do meu cabelo e costurava o aplique. E me perguntei porque estava agendando manutenção com a mesma profissional que havia me infligido tanta dor. Cheguei à conclusão que eu voltava porque o preço era bom e o salão ficava perto do meu trabalho. Porém, eram vantagens mínimas diante do sacrifício de estar em suas mãos pesadas. Sem mais, desmarquei meu horário. E agendei com outro cabeleireiro, cujo preço é mais salgado; porém, trabalha com uma técnica indolor.

Assim, refleti bastante sobre a dificuldade que temos de romper vínculos – muitas vezes nocivos – que mantemos durante a vida em prol das vantagens – mínimas – que eles nos oferecem. A pessoa te feriu 3,4,5,10 vezes. Você jura que vai voltar lá pra ela te ferir 11, 12, 15 vezes ou mais?

Dependência emocional é como voltar naquela manicure que tira bifes da sua cutícula e faz inflamar o dedo todo só porque ela tem bom papo e atende perto da sua casa. Mesmo sabendo que vai machucar, você deixa que ela tome conta de você. Mesmo percebendo que levará semanas para cicatrizar, você autoriza que a falta de responsabilidade dela conduza você. Mesmo sabendo que irá se arrepender, você insiste em se expor ao que destrói você.

Você se apega ao mínimo e excepcional – “tenho saudade do que era bom” – e faz vista grossa ao nocivo e habitual: migalhas de atenção; falta de consideração; inconstância e manipulação. Tá com saudade de que? Da sua necessidade de cobrar o que deveria ser espontâneo? Está na hora de fechar a porta, apagar o contato, abandonar o jogo, decretar falência, desintoxicar a alma, quebrar a dependência, rasgar o caos, desistir da dor.

Dependência emocional é estar comprometido com quem não tem o mínimo comprometimento com você. É ser cliente do cara que faz sua barba cortando sua face, da manicure que tira bifes imensos da sua cutícula, do garçom que sempre traz sua comida fria. É estar na pré-escola e manter amizade com a criança que te bate diariamente só porque ela te convida todo ano para o aniversário dela. Até quando você vai se machucar? Até onde você pode ir, autorizando que alguém possa te ferir?

Sofrer e sentir dor em alguns momentos da vida é absolutamente normal. Porém, não permaneça em lugares que te machucam repetidamente.

Dependência emocional é sofrer a conta gotas por medo de um sofrimento único e assertivo. É ter apego ao que faz mal, como se não existisse outra opção. É abandonar a si mesmo, deixando a responsabilidade da própria vida nas mãos de outra pessoa. É se nutrir de dor porque não consegue digerir a felicidade.

Certa vez ouvi dizer que os veteranos de guerra retornavam para suas casas e, diante da calmaria do dia a dia, adoeciam de tédio. Estavam tão habituados à dor e à desordem que, quando recuperavam a paz, não parecia certo. Muitos relacionamentos são assim. Você acha que sente falta da pessoa, mas o que está deixando um buraco no seu peito é a ausência do caos, da instabilidade, das migalhas, da dor, da Guerra.

Nos ensinaram a perdoar, relevar, não fazer climão ou tempestade em copo d’água. Porém, tão importante quanto manter a serenidade – sem cobranças, tensões ou DRs diárias – é  saber abandonar lugares que tiram a nossa paz. Você não é obrigado(a) a nada, e a única coisa que realmente é possível controlar é a forma como você deseja se tratar.



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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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