Gaslight: quando alguém tenta apagar seu brilho para que possa ter uma mísera luz

Camila era um “mulherão”. Cabelos longos, corpo escultural, curvas acentuadas. Sorriso farto com dentes alinhados e muito brancos. Bonita, simpática, inteligente. Trabalhava de segunda a sexta como secretária em um consultório médico, e aos fins de semana frequentava rodas de samba. Era admirada e apreciada por homens e mulheres, tanto pela beleza física quanto pelo carisma, energia e alegria. Pra ela, não tinha “tempo ruim”. Era dedicada, esforçada e tinha chegado onde chegou através de muito esforço, dedicação, trabalho árduo e muito suor. Porém, as oportunidades tinham sido escassas, e ela só completara o ensino médio. Não tinha feito faculdade, mas isso não diminuía sua competência e seu valor, e ela sabia disso. Se orgulhava de sua jornada, e tinha consciência de sua grandeza.

Aos trinta anos, Camila se apaixonou. No início, Léo parecia ser o cara perfeito, do tipo sem nenhum defeito. Aos poucos, porém, tudo mudou. E Camila – a mulher linda e cheia de dons – passou a duvidar de si mesma, a questionar suas qualidades, a desacreditar de seu valor, a convencer a si mesma de que era ignorante e feia. E de que Léo sabia mesmo das coisas, ela era uma fraude, uma impostora, e nada iria mudar isso.

Apesar da autoestima elevada e da ciência de seus dons, Camila tinha se permitido ficar “nas mãos” de Léo. E ele, um homem de poucos atributos físicos mas dono da lábia perfeita, estava com a faca e o queijo nas mãos. Para não se sentir inferiorizado pelo “mulherão”, precisava rebaixá-la. Começou com pequenos “toques”, dizendo que ela não sabia escrever direito (logo ele, que nunca soube a diferença entre “mal” e “mau”), até chegar ao cúmulo de criticar a forma como ela sambava e se vestia para as rodas de samba. Aos poucos a alegria de Camila foi sendo substituída pelo medo e incerteza, até culminar na completa dependência da aprovação de Léo; ou melhor, submissa ao julgamento dele, que só a diminuía.

Em 1944, a atriz Ingrid Bergman ganhou seu primeiro Oscar com o filme “Gaslight” ( “À Meia-Luz” em português), interpretando a personagem Paula Alquist. Na trama, ela é manipulada por seu marido a acreditar que está enlouquecendo. Graças ao filme, o termo Gaslight é conhecido até hoje, mais de 80 anos depois, como um tipo de manipulação psicológica no qual um dos parceiros cria situações para que o outro sinta-se inseguro, amedrontado e desestabilizado emocionalmente em próprio benefício. A pessoa consegue convencer a vítima a questionar a própria sanidade, memória ou percepções das coisas.

Alguns assassinatos acontecem silenciosamente, sutilmente, sem que ninguém perceba. Minúsculos assassinatos acontecem quando alguém tenta diminuir e até apagar seu brilho para que possa sentir-se melhor consigo mesmo. Infelizmente, alguns relacionamentos são assim. Porém, relacionamento algum deveria fazer você duvidar de si mesma e de seu valor. Relacionamento algum deveria fazer você questionar sua jornada, seus talentos e seus dons. Relacionamento algum deveria diminuir sua autoconfiança e autoestima. Relacionamento algum deveria subtrair vida da sua vida.

Se alguém precisa te diminuir, te fazer duvidar do próprio valor, te fazer perder a fé em si mesma… se alguém te confunde a ponto de achar que está enlouquecendo ou que é uma impostora… se alguém faz você sentir-se insegura, esquecida e até enlouquecida… se alguém te chama de doida, diz que você tem gênio difícil, fala para os amigos que a culpa é sua, te acusa de insegura, sentimental e emocional… se alguém mina sua autoconfiança e autoestima e depois te acusa de insegura e indecisa… talvez essa pessoa tenha problemas, e precise apagar seu brilho para que possa ter alguma mísera luz.

É sempre bom ter um pé atrás com quem costuma dizer que a ex é “louca”, ou com pessoas que vivem se apresentando como vítimas da situação. Cada caso é um caso, mas como diz a letra da música “A culpa é nossa” (interpretada lindamente pela dupla Maiara e Maraísa), algumas pessoas invertem o jogo e nunca admitem seus erros, querendo sempre sair como os “mocinhos” da história…



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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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