Aurora era uma mulher cheia de ausências. De vez em quando se perdia em devaneios, e viajava para mundos distantes, talvez outras épocas, períodos de tempo mais antigos que seu próprio espírito. Falava-se com ela e ela não ouvia. Nada a afetava nesses momentos. Porém, quando retornava, de vez em quando sensibilizava-se demais, além da conta. Uma notícia na tevê, um comentário nas redes sociais… e Aurora perturbadíssima, como se aquilo acessasse dentro dela mundos e tristezas ocultas, porém latentes, que esperavam avidamente para emergir das profundezas. Seu mundo interior era vasto e rico, e por isso uma tristeza inédita não era apenas um lamento. Era o gatilho para tristezas misteriosas, talvez de outras vidas, virem à tona.
Quando o coração de Aurora estava longe do lugar onde se encontrava, a violência do momento não a atingia. Sorte sua possuir coração e mente viajantes, talvez para se poupar, ou mesmo se proteger. Quando a realidade é difícil de digerir, o corpo encontra saídas para se resguardar.
Aurora tinha medo de se apaixonar. Ouvira dizer que quando se apaixonasse, facilmente se machucaria por coisas simples e bobas. Tinha medo da dor. E, mais que isso, não queria sentir-se frágil ou vulnerável. Havia escutado histórias de pessoas que perderam o foco da própria vida, arriscaram suas carreiras por uma paixão, curvaram-se como cães humilhados, sucumbiram ao desejo e consumiram-se como velas queimadas.
Preferia abrigar-se em seu mundo de histórias inventadas, sem um pingo de desejo por coisas palpáveis, reais e invariavelmente impossíveis, que fatalmente levariam a um sofrimento maior.
Desafiava o amor, provocava a paixão e incitava a vida para um duelo. Em seu íntimo, porém, só desejava livrar-se do medo. E que a vida, o amor e a paixão lhe dessem a mão, convidando-a a não se acovardar.
Então, assim como uma gripe chega sem avisar, uma nova febre a consumiu. E não havia remédio, unguentos ou fugas mágicas para mundos distantes que pudessem aplacar aquela nova sensação que tomava as rédeas de seu corpo e pensamentos.
Descobriu que por mais que você queira escolher quem amar, ou que rotas trilhar para chegar ao melhor lugar, o amor e a vida não estão nem aí para aquilo que você considera certo, justo ou compreensível.
Então, só restava a ela aceitar. Entendendo que poderia permitir-se estilhaçar, aumentando seu repertório de histórias para contar, ou simplesmente abrir a porta e deixar a ventania entrar, descobrindo que as maiores e mais belas transformações não acontecem em mares calmos ou em estradas retilíneas. Ao contrário, chegam no susto, na onda imprevisível, na descida íngreme e sem freios. Depois disso, nada volta a ser como antes. Nem a alma, nem os batimentos no peito, nem ela mesma.
Esse texto veio ao encontro de um momento atual na minha vida. Espero chegar ao entendimento final.
Ótimo texto ❤️