Eu não sei exatamente quando deixamos de ser tudo aquilo que sonhamos quando éramos crianças. No presente, você não é nem a modelo nem a astronauta! É só mais alguém que seguiu um rumo na vida sem – ainda – ter conquistado a tão sonhada casa com uma árvore no quintal.
É sempre imprescindível lembrar que sapatos bonitos, carros novos e tantas outras etiquetas, são sempre coisas. E coisas nos preenchem por duas horas, no máximo! Quando olhamos para trás, sentimos falta das experiências, e não dos objetos. Saudade do filho quando ele tinha apenas quatro anos, da amiga da 5ª série que foi pega colando na prova de Ciências e do tio que fazia truques de mágicas incríveis, tais como esconder moedas entre os dedos. Ah! Com isso, sim, dava para preencher um currículo de mil páginas!
_Estou lendo no seu currículo que você tem experiência em colher mexericas no pé?
_Sim! Quando a árvore vai ficando carregada, os galhos tombam quase até o chão e fica mais fácil para as pessoas pequenas como eu! Mas as de cascas verde-escuras não recomendo! Estão sempre azedas. Há quem goste, porém…
_Interessante! E você tem experiência em fazer e soltar pipa? Durante cinco anos? É isso?
_Na verdade, não foi uma atividade individual. Tínhamos uma equipe muito boa! Eu coordenava os cortes dos gravetos, e os outros colegas, os cortes dos papéis, enquanto os demais traziam as linhas. Assim que todas as pipas estavam prontas, íamos para o campinho de futebol. O melhor mês era agosto, sempre com muitos ventos. Você precisava ver; era uma correria danada! No final, o Pedro era quem sempre ganhava. Eu gostava de soltar pipa, mas talento mesmo era ele quem tinha!
Seria tão bom responder a entrevistas de emprego que não esperassem de você um acumulado de técnicas, mas alguém que soubesse usar a própria história para construir um trabalho que fizesse as pessoas felizes!
Imagine ser e viver tudo o que você sonhou um dia? Viajar de mochila pela Europa, criar com os amigos um projeto social. Em outubro, o primeiro filho, ou em dezembro, um ipê-amarelo. O segundo diploma na aposentadoria ou, aos 50 anos, celebrar o primeiro lugar no campeonato de natação. Todo dia seria 1º de janeiro! E, no lugar do currículo, um livro biográfico cujo título seria: “A vida que eu escolhi”.
O que soa romântico ou impossível, o que deixou de ser importante diante das contas a pagar, a saudade boa dos sonhos ingênuos ou a vida que ficou para trás em uma dessas curvas da nossa dura realidade, na verdade, coexistem com o que somos hoje. Da turma que soltava pipa ao currículo que sobre isso não dedica nenhum espaço, continuamos. Nos metamorfoseamos entre o moleque que, antes, andava de pés descalços e, hoje, é o pai que deixa o filho na escola. Da menina que pulava do alto do barranco rumo ao rio de pedras e, ao se tornar mãe, usa a palavra “Cuidado!” como a mesma facilidade de quem diz “Bom dia!”.
A vida se encarrega de nos enquadrar, mas nosso coração genioso clama por atenção! Ali no meio da tarde, entre as 16h e 17h30, no sábado em que cuidamos da casa, na quarta-feira diante da TV ou na reunião de trabalho infindável, nosso coração sussurra baixinho, quase inaudível:
_Seremos sempre dois: a criança que sonhou e o adulto que se adaptou! O que você vai ser quando crescer, se decidir crescer todos os dias?
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