Assim é.

Talvez você tenha razão. Talvez seja mesmo melhor viver sozinho. Fazer comida na hora em que tiver vontade, levantar da cama mais cedo ou mais tarde, tanto faz! Abrir aquele pacote de biscoito barulhento enquanto assiste ao jornal, tomar banho de porta aberta, colocar os pés na parede enquanto ri alto das piadas dos grupos do whatsapp.

Viver sozinho também é ter rompantes sem ninguém estranhar, é poder chorar de luz acesa e soluçar à vontade. É dormir no sofá sem ser questionado, é colocar as roupas no varal em plena madrugada, é apertar o tubo da pasta de dentes do jeito que quiser, arrumar a cama dia sim, dia talvez… É desfazer a mala da viagem doze dias depois de regressar, é beber duas garrafas de vinho sem alguém pra te censurar.

Viver sozinho também é não poder se esquecer da toalha de banho, é ter que conviver com aquele cravo nas costas incomodando bem como aqueles pêlos no ouvido que crescem de vez em quando. Viver sozinho é compor uma melodia nova e cantar para si mesmo, é dar à luz a uma poesia e dividi-la somente com o papel. É, também, queimar o arroz enquanto atende à campainha e não ter alguém com quem rir disso, é receber uma notícia maravilhosa e explodir em felicidade com as paredes.

Viver sozinho é comprar comida fracionada e mesmo assim vê-la passar do ponto de vez em quando, é ter que buscar na farmácia o próprio remédio, é fazer em si mesmo a massagem no joelho inchado (torcendo para nunca sentir dor nas costas).

Viver sozinho é voz uníssona, é solo em catedral lotada.
Viver sozinho é tela de uma cor só.
Viver sozinho é mania não censurada, mas virtude não reconhecida.

Conviver é feito problema de matemática: difícil, mas tem solução. Conviver é ceder, renunciar, negociar pelo bem do par, ainda que ele ronque de vez em quando ou ela se esqueça completamente do cereal preferido dele. E tudo bem.

Convivência é parceria de dois mundos estranhos que decidem aceitar um ao outro com vontade, respeito e amor.

Porque se conviver é ceder e tem seu quê de invasão, conviver também é cuidar, querer bem, zelar… e ser cuidado, bem querido, zelado.

Conviver tolhe sim certas liberdades, limita certas peculiaridades, contudo, possibilita parcerias imparáveis e pode nos colocar a viver no espaço de nosso maior incentivador.

Mas caso ainda assim você prefira ser só, não há anomalia alguma nisso. Entretanto, um ser sozinho sorri meio desdentado, incompleto, pois bem sabes que um sorriso perfeito só é possível se cada dente tiver seu par.

Assim é.

***

Ludmila Clio
Blog: Copo de Letras
Instagram: @ludmilaclio



LIVRO NOVO



Ludmila Clio nasceu em Cachoeiro de Itapemirim/ES, em 22 de Março de 1981. Começou a escrever para sua gaveta, como a maioria dos escritores, mas furtivamente, mostrando seus escritos para amigos e professores, foi encorajada a romper com a gaveta e publicar-se. O estopim se deu em 2004, quando venceu pela primeira vez um concurso nacional de poesias, realizado no Paraná. Graduada em História e autora de 02 livros de poesia, está prestes a lançar seu primeiro livro em prosa. Mora atualmente em Campinas/SP com sua filha adolescente.

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