Reciprocidade. substantivo feminino; qualidade ou caráter de recíproco; correspondência mútua; recíproca, reciprocação.
Fiquei em dúvida em como retomar as minhas sessões aqui, porque primeiro precisei de um encontro comigo mesma. O período que vivemos nos últimos dias foi muito único e pessoal, e como falei na sessão anterior, é difícil seguir a diante sem ressignificar algumas relações. Eu já venho me ocupando do conceito de reciprocidade há algum tempo, mais objetivamente no último ano. Quando a gente passa a encarar o tempo como um conceito finito, sabendo que existem apenas algumas horas limitadas do dia, anos de vida e energia que não atende tudo e todo mundo, a decisão de escolher passa a ser uma necessidade.
O drama que me fez refletir nos últimos tempos era como abrir mão de pessoas que sempre me pareceram importantes. Ou ainda, como não assumir problemas e demandas alheias que sempre me pareceram tão justas, e também, tão minhas. Quando percebi que estava gastando a energia e o tempo que dispunha me ocupando das escolhas dos outros, desafios dos outros, e me vi emocionalmente desgastada como único resultado direto para mim, conclui que o erro era meu. Logo, a mudança devia partir de mim.
Eu tenho no altruísmo também uma fuga, não dá pra negar. Eu prefiro resolver os problemas alheios como um disfarce bonito para a procrastinação. Eu super confesso! Quando eu me ocupo de coisas que posso resolver para alguém, eu não assumo os riscos (de sucesso ou fracasso) de resolver as cruzadas da minha vida. Então eu ajudo os outros e me sinto bem. Deixando meus próprios objetivos juntado pó numa prateleira, com o cronometro dos meus anos de vida correndo do lado. Além de nada prática, a estratégia é bem injusta.
E é aqui que a reciprocidade entra como um parâmetro importante de definição daquilo que você dedica aos outros. No último ano eu me preocupei com todos os aspectos da vida de uma pá de gente. Envolvi-me com seus problemas familiares, fiz longas ligações conciliadoras para apaziguar brigas entre amigas, protegi com unhas e dentes aqueles que sempre tiveram meu carinho, e com isso, minha proteção. Sabe o que me dei conta? Em diversos casos, a proporção com que essas pessoas se ocupam em auxiliar na resolução dos meus problemas nunca era balanceada. E sabe o que mais? Eu percebi neste ano que havia me esforçado bem menos por mim, nas coisas que realmente acredito.
Então nos últimos dias eu botei a reciprocidade pra funcionar. Não como um castigo de uma criança birrenta que quer chamar a atenção. Mas eu comecei a medir as minhas relações sem o meu altruísmo operando, que me é tão singular. Eu comecei a ponderar minhas interações de forma correspondente aquilo que me entregavam. Se as pessoas me procuravam, as procurava. Quando se mostravam preocupadas comigo, lhes emprestava o meu ombro. Nos últimos dias eu parei de me ocupar em ter que ser uma eterna conciliadora de perrengues alheios, e me ocupar das dores do mundo. Não porque não me importo, ou porque não merecem. Mas porque faltava reciprocidade. E eu tenho lá as minhas muitas dores pra cuidar.
Assim, eu deletei dezenas de pessoas nas minhas contas pessoais cujo contato não era sustentado e nem fazia sentido. Desfiz relações que se mostraram frágeis. Fechei as portas para a soberba nas discussões. Toda vez que, nos últimos dias, alguém discordava de mim, do alto de algum palanque que lhes (auto) garantia autoridade, eu desliguei o som. Não porque não queria mais ouvir e conversar, mas porque já estava definido que a troca de ideias não era o foco, e sim ter razão. E eu já aprendi que entre ter razão, e paz de espírito, eu vou sempre ficar com a segunda. Até porque “razão” é algo muito relativo para ter como objetivo.
Tudo isso aconteceu operando sobre a mágica que reciprocidade permite. “Fulano tá precisando de uma força, tu ajuda?” Passei a pensar comigo quando que fulano tinha me procurado pela última vez, se estava comigo quando eu precisei e força, e facilmente decidia não mais me envolver. Eu sigo amando muita gente, isso não mudou. O assunto aqui é dedicação. Por que gastar tempo e energia com quem não te dedica tais recursos quando você mais precisa? Escolher focar em problemas próprios, do ponto de vista da reciprocidade, não me parece mais algo como egoísmo, e sim estratégia. Se eu sou a pessoa mais importante da minha vida, por que não tratar-me como tal, e exigir das relações que ficam pelo menos um pouquinho de correspondência mútua? Lealdade e empatia não me parecem luxos para uma pessoa que, como eu, sempre se doou aos outros.
E sim, ficar neutra é também se posicionar. O muro vai ser sempre de alguém, não se engane ao subir nele. Em um momento onde neutralidade me parece um conceito tão maquiado para coisas como falta de coragem, desinteresse ou conveniência, a medida da reciprocidade surge como um convite à avaliação. Assim, decidir agir ou não agir frente aquilo que é do outro, passa a ser um conceito mais justo com todos os envolvidos. Se o foco de quem tá do teu lado é o próprio umbigo, por que diachos tu não te permites cuidar mais do teu?
Olha só… escuta que isso é de ouro. Quem te quer bem se preocupa, quem tá com saudade te procura, quem cobre tuas costas tá contigo doa o que doer, quem quer fazer dar certo concilia, quem discorda conversa, que te ama demonstra, quem te quer na vida não abre mão disso por nada. O resto é distração, no pouco tempo que tu tens nesta louca aventura chamada autoconhecimento. Permita-se a praticar e receber reciprocidade. Vale a pena.
Se você vai se sentir mais sozinho por um tempo, faz parte. Melhor do que estás rodeado de pessoas que só te querem por perto quando tu atendes às expectativas.
Reciprocidade. Pratique. Receba. E passe a diante.
Fim da sessão.