Em vez de contar tanto com os outros, aprendi a contar meus sonhos pra Deus

Dia desses, escondido num cantinho perdido aqui dentro, contei meus sonhos pra Deus. Coisa pouca. Meia dúzia de desejos antigos, vontades ingênuas, visões do paraíso, desvarios de toda hora.

Falei com Ele, assim como quem joga conversa fora, de coisas que não tenho coragem de dizer a ninguém. Essas coisas que, só de ouvir, até o melhor amigo da gente torce o nariz, duvida, suspeita, questiona nossa sanidade.

Morar numa casinha enfiada entre um morro verde e uma lagoa mansa, azulada feito uma saudade, num lugar tão longe e tão bonito que notícia ruim nenhuma acerta o caminho.

Tropeçar numa lembrança antiga como um amigo de infância e passar o dia inteiro ao seu lado, da primeira hora da manhãzinha até o último ruído lá longe na noite implacável, em seu escuro que a tudo abraça, depois dormir e acordar no dia seguinte tomado de ternura e saudade lembrando, lembrando.

Casar na igreja, ser pai de gêmeos, dar irmãos ao meu filho João. Ter amor de monte, saúde de sobra, trabalho de praxe, amigos de quem cuidar, algo simples em que acreditar, uma praia longe com que sonhar, um ideal de simplicidade, um delírio impossível que me faça seguir tentando, uma esperança linda e louca a me manter de pé, em movimento. E um punhado de imbecis a quem combater, claro, a eles e a seus gestos mesquinhos, destrutivos, pequenos, maldosos. Porque nem nos sonhos da gente os cretinos dão um tempo.

Não é muito, não. Mas eu tenho sonhos. Tenho, sim. Dia desses, escondido num cantinho aqui dentro, contei todos eles pra Deus. E eu acho que Ele ouviu tudo. Eu acho que Ele estava prestando atenção.



LIVRO NOVO



Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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