Sem paixão, tudo é dor

É penoso ter que trabalhar em algo onde a alma não está presente. Isso acontece comigo desde meu primeiro emprego. Sempre senti que não nasci para cada ofício que já tive, e já fui severamente criticada por isso, dentro da minha própria casa. Minha família não entendia (e eu também custei a entender) que não se trata de malandragem ou mera tirania. É coisa dela, da minha alma, que nunca vai comigo bater o ponto. É culpa dela, essa alma que quer temperar o mundo, fazer diferença na vida das pessoas e não vê o menor sentido em tarefas rotineiras, à la “Tempos Modernos”, de Chaplin. É culpa dessa minha cabeça notívaga, que explode de ideias e de inspirações e mergulha madrugadas adentro em linhas sem fim enquanto todos estão dormindo. É culpa dessa minha essência de artista, que não consegue se adequar ao sistema dos alarmes, despertadores, relatórios, planilhas, boletos e cobranças.

É cruel não caber nos moldes sociais. É cruel não ser compreendido por quem conseguiu se normatizar aos horários, compromissos sociais, padrões trabalhistas.

Me é devastador lembrar que a vida está acontecendo enquanto eu estou dando meu sangue dentro de uma caixa de concreto. Me soa tristíssima a realidade de ocupar um lugar que pode ser de qualquer pessoa alfabetizada e que não sente o peso dessa rotina. E isso não é uma crítica a essas pessoas, só Deus sabe o quanto eu quis e já tentei gostar de tudo isso e de não sofrer por não conseguir. Não, eu não consigo. Minha alma não vai comigo de jeito algum.

Eu sei que não posso me torturar dessa maneira, embora essa ainda seja a única condição para eu ter um teto e comida, mas esse “ainda” me traz um fio de esperança, eu estou me agarrando a ele como nunca. Tenho rascunhado formas de fazer da minha verdadeira missão de vida, minha realidade. Sonho com o dia em que vamos acordar juntas _minha alma e eu_ e seremos inseparáveis durante todo o dia, no entanto, por ora, ela fica em casa dormindo e o que sai de casa para cumprir relatórios é minha casca, exaurida disso tudo.

“Todos falam para um artista o quanto é difícil viver como artista, mas ninguém pergunta para um artista como é difícil não viver como artista.”



LIVRO NOVO



Ludmila Clio nasceu em Cachoeiro de Itapemirim/ES, em 22 de Março de 1981. Começou a escrever para sua gaveta, como a maioria dos escritores, mas furtivamente, mostrando seus escritos para amigos e professores, foi encorajada a romper com a gaveta e publicar-se. O estopim se deu em 2004, quando venceu pela primeira vez um concurso nacional de poesias, realizado no Paraná. Graduada em História e autora de 02 livros de poesia, está prestes a lançar seu primeiro livro em prosa. Mora atualmente em Campinas/SP com sua filha adolescente.

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