Crianças costumam ter maior facilidade para compreender e operar com ideias relacionadas à adição; somar pirulitos, balas, bolos e bombons; fazer dois brinquedos virarem vinte pela mágica da multiplicação.
Sensacional! Somar, ganhar, aumentar, acrescentar… quem é que não quer? A menos que sejam ganhos indesejados, como dívidas ou pendências em geral.
Nossa mente, alma e coração parecem ter sido esculpidos para os ganhos. Ainda que muitas vezes exageremos na aquisição de coisas e até na inclusão de pessoas em nossas vidas, preferimos acumular, guardar, esquecer o que temos… a ter de lidar com a falta ou com a perda.
Subtrair é extremamente custoso para nós. Abrir mão, deixar ir; perder, olhar para o que falta, quanto falta. Tirar, entrar em contato com a ausência daquilo ou daqueles que já não temos mais. Até os mais singelos problemas de matemática das séries iniciais são desafiadores para os pequenos; envolvem balões que estouraram; sorvetes que derreteram; frutas que estragaram; brinquedos que quebraram… Pensa bem!
E a divisão… Ahhhhh a divisão envolve o mais complexo dos aprendizados. E a matemática da escola não nos prepara para as divisões reais da vida. Lá na sala de aula, aprendemos a dividir em partes iguais; e na vida, nem sempre isso é possível. Em verdade, é dificílimo! Nossas emoções não são divisíveis igualmente, nossos recursos materiais, tampouco. Vamos repartindo afetos e recursos conforme vamos dando conta.
A vida é muito mais história, poesia e filosofia do que matemática. A gente aguenta os revezes, graças às nossas memórias felizes; é a nossa história de vida que nos prepara para o que ainda não veio, as batalhas que não lutamos, as graças que não recebemos, as perdas que nem imaginamos sofrer.
É a nossa capacidade de pensar além da dor, de sublimar a vitória, que torna minimamente possível seguir andando e insistindo, apesar do entorpecimento momentâneo do ganho e o efeito devastador de ter arrebatado de nossas mãos aquilo ou aqueles que nos são caros, valiosos, indispensáveis, insubstituíveis.
E se não fosse a poesia, a plasticidade da alma, que torna possível converter agonia em aprendizado; não fosse a possibilidade de transmutar em novas belezas o que nos destruiu por dentro, não haveria esperança para nós.
Perder um filho, é ter de aceitar o fato irreversível de ter de continuar existindo nesse mundo com um pedaço do coração arrancado do peito. Nenhuma mãe, nem as mais doces e amorosas, são capazes de compreender imediatamente essa clara injustiça, a subtração dolorosa, a divisão do coração em milhões de pedaços incongruentes.
Submergir da experiência avassaladora que é ver um filho partir para sempre, faz a gente pensar em propósitos maiores, faz a gente ter de acreditar em propósitos maiores. A saudade de um filho que partiu definitivamente, obriga a gente a aprender a viver sem aquele cheirinho único no travesseiro, sem o barulhinho inconfundível da respiração cadenciada no quarto ao lado, sem milhares de lembranças vividas, palavras proferidas, abraços partilhados, beijinhos melecados, baguncinhas boas, a vida repartida e multiplicada ao mesmo tempo em um outro ser fora da gente.
A redenção, a cura, o apaziguamento dessa dor, não é tempo que vai trazer. O tempo, sozinho, não tem esse poder. Sobreviver a tão violenta perda é desafiar a lógica, é subverter a ordem natural da vida. E a cada mínimo pulsar do peito, compreender que se ainda estamos por aqui, há de haver algo realmente grandioso esperando por ser acolhido em nosso peito tão ferido. A cura, reside na teimosia de continuar respirando e aspirando para esse mundo uma realidade menos sofrida. Quem sabe não seja a nossa missão nesse planeta redirecionar esse amor infinito, tão bonito e incondicional a outros filhos, pequenos ou grandes, humanos ou não, filhos queridos que necessitam desse nosso afeto paralisado no peito. Olhar em volta, olhar para dentro e buscar uma forma bonita de encontrar um porquê para sair do caos da dor. Há de haver por aí, alguém que precise desse nosso amor.