Quem foi que disse que você é obrigado a engolir alguém?

É, no mínimo, curiosa essa expressão: “você vai ter que me engolir.”. Todas as vezes em que a escuto fico pensando na estima de quem a profere.

A expressão, por si só, é agressiva demais para passar em branco; ela carrega uma necessidade quase mortal por aceitação; como se a vida inteira do mundo fosse acabar, caso aquele alguém não fosse engolido.

É querer demais ser aceito à força? Sim, é. O mundo é plural e não cabe a ninguém a obrigação de nos aturar. A nossa obrigação é nos adaptar ao mundo e não esperar que o mundo inteiro se curve a nós, como pequenos reizinhos que pensamos ser.

Da mesma forma, esse bordão do “ter que me engolir” parece carregar uma obrigação moral, como se quem o proferiu fosse cheio de graças divinas que impõem aos demais que o idolatre.

Essa é, com certeza, a frase mais imatura do nosso idioma. Sempre me vem à mente uma criança mijona, com as bochechas sujas de doce, batendo os pés e gritando: “Você vai ter que me engolir!”. Enquanto lágrimas de birra correm pelo seu rosto e a plateia ao redor assiste inerte.

Sabe a novidade? Eu não vou não. E ninguém vai. Não existe obrigação de nos alimentarmos do que faz mal, do que incomoda, do que nos intoxica. Esse bordão é clássico de pessoas tóxicas, que se querem fazer presentes em todos os ambientes e lugares, que se acham no direito de serem parte de tudo e de todos, que pensam ter direito de estarem em todas as vidas.

Outra novidade: ninguém tem o direito de se fazer presente na vida de ninguém. Nem o chefe na vida dos funcionários; nem a mulher na vida do ex marido; nem os pais na vida dos filhos enjeitados; nem tantos outros indivíduos que já partiram e, de repente, decidem voltar. Não existe tal direito, até porque quem quer permanecer faz por merecer.

Além de tudo, essa expressão ainda carrega uma triste verdade: só a carência extrema e a inutilidade pessoal podem fazer alguém achar que outra pessoa tem a obrigação de aceitar conviver com ele; porque não há explicações para um delírio tão digno de um ditador descontrolado.

Quando alguém me diz “você vai ter que me engolir”, eu penso, com dó, em como as nossas fraquezas podem ser simplesmente expostas e verbalizadas numa frase tão imbecil e fútil. Nunca queira ser engolido. As melhores pessoas são desejadas; jamais engolidas à força.

Imagem de capa: Fancy Studio, Shutterstock



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Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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