Às vezes a gente desmorona.
A vida tem suas trapaças. Envolve-nos nas suas horas e nos engana enquanto nos enche de rotina. Aceitamos tudo e mastigamos esse desenrolar, quase sempre sem ver a vida passar. Crescemos sem nem perceber. Num instante somos crianças de brincar na rua, n’outro somos formados, criados e tendo que nos levar nas mãos. Num instante temos vários pares de mãos, prontos para nos segurar, n’outro tempo a gente cai e se levanta, porque não há ninguém para nos levantar.
(…)
Cresci rodeada de super-heróis e super-heroínas. Eles eram gigantes diante dos meus olhos de menina. Olhava para o alto e os via do tamanho do mundo. Altos, fortes, inquebráveis, intocáveis. Quando os via, era como enxergar uma muralha, uma armadura, prontos para me proteger. E nos braços deles eu era alta, forte, inquebrável e intocável.
Aí veio a rotina atropelando o tempo e quando me dou conta, já não sou mais tão pequena a ponto de caber em braços alheios. Colo, só em abraço. E então a gente cresce e a inocência — que pulsava nos nossos olhos — evapora. Pouco a pouco. É o ponto que vemos que nossos super-heróis e super-heroínas não são assim tão altos e tão fortes. E são frágeis, quebráveis e vulneráveis.
É quando a vida vem e nos dá uma rasteira. E a gente desmorona. E precisamos nos transformar no super-herói que víamos quando pequenos. E precisamos ser fortes, inquebráveis e intocáveis. Vestir a armadura para ser muralha. E ser muralha é pesado demais…
E então, às vezes, a gente desmorona.
Imagem de capa: Dmitry Laudin, Shutterstock