A gente costuma desenvolver um apego maior às passagens mais difíceis e dolorosas da vida. Basta que alguém peça para que contemos uma experiência marcante e, muitos de nós, terão maior facilidade para lembrar daquilo que doeu, fez sofrer ou foi difícil.
Todo mundo é assim?! Não, claro que não. Entretanto há uma espécie de culto ao sofrimento; uma perigosa crença de que só o que é conquistado a duras penas é que tem valor, de que aquilo que vem fácil vai fácil e de que é preciso dar um duro danado para se chegar a algum lugar que valha a pena.
Não deixa de ser verdade que gente que vive sendo poupada de frustrações e perdas, cresce acreditando que as coisas caem de mão beijada no colo, ou que o mundo ao seu redor precisa render graças à sua existência. Gente mimada não entende mesmo lá muita coisa de ser gente; o que sabe fazer de verdade é espernear ou amarrar a cara, caso aquilo que desejam ou planejaram não saia exatamente do jeitinho que foi sonhado.
Acontece que para cada um da espécie “mimadus insuportavis” haverá, no mínimo, meia dúzia de “coitadus sem autoestimis”. A explicação é muito simples: gente mal-acostumada não nasceu desse jeito, foi transformada. Certo? Ou você já viu algum bebê subjugando outro bebê no berçário da maternidade?
Ocorre que, uma vez levado para o seio da sagrada família e incluído no bucólico ambiente do lar – doce lar, essa pequena criatura será submetida ao convívio daqueles que se responsabilizam – ou deveriam se responsabilizar, – desde o primeiro momento, pela sua educação.
E é fato que há todo tipo de bobagem acerca do que é adequado ou não ao saudável desenvolvimento dos pequenos. Desde conselhos absurdos sobre “leite materno fraco”, até carrascos de plantão que afirmam que se deve deixar o bebê chorando sozinho até que durma, caso contrário há de se tornar um pequeno tirano. O mundo está cheio de gente “bem-intencionada”, disposta a distribuir conselhos dispensáveis, baseados na mais rasa sabedoria popular.
Para que alguém tenha a oportunidade de vir a ser um ser adulto, maduro – mas não endurecido, alegre – mas não bobo, íntegro – mas não radical, autocentrado – mas não egoísta; e mais um sem números de habilidades dificílimas de se conquistar, há que se ter a chance de passar pelas incontáveis experiências da vida, desde a doçura de ser amamentado ao seio materno até a saborosa conquista da independência, guiados por uma formação que preserve a suavidade de um amor tranquilo e garanta que sejam estabelecidos limites claros de respeito e integridade.
A vida é mesmo uma maratona de longa distância. Requer da gente uma boa porção de coragem e força. Mas, ao mesmo tempo, espera que a gente entenda que esses outros seres que nos cercam estão tão perdidos quanto a gente está, em muitas circunstâncias. A vida de cada um de nós, no final das contas, é uma estreia que pode, mas não precisa ser solitária, assim como não deve ser uma cena de abandono o seu “gran finale”. Os espinhos, assim como as flores, fazem parte do processo, e não custa nada a gente começar a entender que é assim para todos nós. Então, olhemos para os espinhos alheios com a mesma reverência com que esperamos que sejam tratadas as flores do nosso tão adorado e valoroso jardim.
Imagem de capa: Kate Aedon, Shutterstock