Por Josie Conti e Marcela Alice Bianco
Incomodadas pelo excesso de textos que colocam as princesas como as vilãs do imaginário e do futuro das meninas, gostaríamos de trazer um contraponto e defender o direito que as meninas têm de serem princesas dentro do repertório das suas fantasias infantis.
Durante toda a formação da personalidade da criança é fundamental que ela tenha acesso a um mundo infinito de personagens e papeis. Enquanto ela conhece, identifica-se e vivencia em sua fantasia esses diferentes papeis, ela encontra maneiras de entender o mundo e experimentar a diversidade de possibilidades que ele oferece.
Fantasiar e imaginar faz parte do funcionamento da psique e tem efeito regulador para o desenvolvimento da personalidade. Na verdade, quando falamos dos contos de fadas e dos mitos não devemos entende-los apenas do ponto de vista pessoal ou como preditores de modelos de comportamento a ser ou não seguidos. Precisamos compreender que eles são construções simbólicas que falam do desenvolvimento da consciência e por isso seus personagens são geralmente esquemáticos e possuem relação com uma época e cultura específica.
Nos contos de fadas tudo é muito exacerbado. Os bons tendem a ser sempre “bons”, os maus, sempre “maus”. Se pensarmos no início das formações de conceitos das crianças fica mais fácil entender que as categorizações sejam mais extremas e antagônicas.
Cinderela, por exemplo, fala da passagem de um modo de consciência imaturo e passivo para um modo mais atuante e ativo. Ela recebe um modelo da mãe, o qual cumpre invariavelmente apesar de todos os prejuízos que este incide sobre si, até que o desejo a move e a faz, mesmo que ainda precise de ajuda, contrapor-se àquilo que era imposto. Somente sua atitude parcialmente ativa a tira do borralho e a coloca numa posição vantajosa. Dentro do repertório da criança, a vivencia da Cinderela pode entrar justamente nesta fase em que ela começa a transição de uma postura dependente dos pais para uma de autonomia e firmação de seus desejos.
Além disso, quando pensamos na passagem do tempo e as mudanças na sociedade, temos visto o surgimento de outras princesas com comportamentos bastante diversos do tipo frágil, passiva e dependente. Temos Frozen, Mulan, Valente, Fiona, etc. Todas elas trazem outros aspectos do feminino atualizados para os conflitos e necessidades mais adequados à nossa época e especialmente ao lugar que a mulher ocupa na sociedade atual.
Assim, a princesa corresponde simbolicamente ao nascimento da heroína na menina e surge como auxiliadora imaginária no enfrentamento das exigências que a saída gradual do mundo infantil exige.
É importante que a criança tenha seu momento princesa. Da mesma forma é importante que seja bruxa, rainha má, guerreira ou até Perna Longa. A fantasia só existe porque para ela não existem limites e nem censuras.
E se, até hoje, as princesas foram tão importantes no imaginário das crianças não é só porque a Disney fez um bom trabalho de marketing. Nunca podemos nos esquecer que todo marketing é feito também avaliando a aceitação pública e, se existe aceitação, é porque dentro das pessoas esse papel tem sua função necessária.
Logo, talvez a questão mais importante de uma criança que passa por sua fase princesa seja que ela o faça dentro da fase certa. O problema acontece quando, por algum motivo, papeis estereotipados ficam fixados até a idade adulta mantendo as mesmas características extremadas. É nessa fase que a fantasia pode ser tornar prejudicial se os componentes de realidade não tiverem sido suficientemente assimilados para mostrar que nem todo mundo é só bom ou só mau, de que para ser feliz não é necessário um príncipe (até porque ele não existe) e que a princesa perfeita dos contos de fadas poderia ser até chata e entediante. Neste caso, de heroína, a menina-mulher pode passar a ser alguém que perdeu a espontaneidade, a criatividade e a autonomia tornando-se o espelho do desejo alheio.
Portanto, não force ou estimule a sua filha, mas deixe ela ser uma princesa se essa atitude surgir espontaneamente. Inclusive você irá perceber que as personagens que lhe atraem se modificam com a idade, mostrando que ela precisa de diferentes papeis para abarcar a complexidade da construção da sua personalidade.
Deixar uma menina ser princesa nesses moldes nada tem a ver com educação ou com a imposição de um modelo de comportamento adequado. Não se relaciona com frases como “feche as pernas“, “se comporte como uma princesa” ou “um dia você vai encontrar seu príncipe encantado“. Isso não tem a ver com o fantasiar natural da infância, mas sim com o desejo projetivo da mãe sobre a filha dentro dos seus próprios conceitos de mundo e de comportamento social.
Neste caso, cabe à própria mãe se questionar sobre por que sua filha precisa ser uma princesa e o que isto tem a ver com o modelo de feminino que regeu sua personalidade até este ponto da sua vida. Pode ser que essa mãe também tenha uma heroína aprisionada, como a mãe da personagem Valente que precisou torna-se uma ursa para liberar seu lado instintivo e assim reconciliar-se com a própria filha que desejava seguir um caminho espontâneo e diferente.
No final, toda história encena uma trama que fala de nós, do nosso mundo e dos caminhos da ampliação da consciência. Quando sabemos transpor o concreto para alcançar o simbolismo saímos de posições extremadas e impassíveis para outras mais equilibradas e compreensivas. Façamos isso com as princesas e com suas mães!
Josie Conti
Psicóloga, blogueira e empresária. Abandonou o serviço público para manter seus valores pessoais e hoje trabalha prioritariamente na internet com a administração de sites e redes sociais além da criação e divulgação de conteúdos. É idealizadora e responsável por toda linha editoral do CONTI outra.
Marcela Alice Bianco
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae e em Gerontologia pelo HSPE. CRP: 06/77338-
Para saber mais sobre Marcela Bianco clique em: http://www.psiqueemequilibrio.com.br/
Imagem de capa: Kiselev Andrey Valerevich/shutterstock
Gostei muito do texto.
Faltou abordar um pouco sobre como o pai pode influenciar suas filhas a respeito disso.
Anyway.. concordo com o que foi proposto. Minha filha, pré-adolescente, que chamo de “princesinha” já foi várias princesas: Princesa do Mar, Clawdeen Wolf (Monster High) e outras mais… o lúdico sempre esteve presente na vida dela!
Ela não sonha com “príncipe encantado” mas sonha com uma família estruturada (algo que ela percebe sobre nossa família)… diz para mim que seu namorado precisa ser como eu (isso me enche de orgulho, mas também cresce minha responsabilidade). Ela sabe o quanto sou falho, contudo percebe o quanto amo sua mãe e, acima de tudo, nossa família. Isso faz toda diferença. Ela é princesa!! Mas também é uma menina feliz!!!
Obrigado pelo texto!!