Mal a gente começa uma história, já vai instalando dentro da gente aquela coceirinha para saber, prever, intuir ou controlar o que vem depois. A gente vive brincando de mago, adivinho ou vidente da própria sorte. Ansiosos. Somos ansiosos.
Ansiamos pela próxima página, mesmo antes de termos aberto completamente o livro. Ansiamos por acordar enroscado nos braços de um amor, mesmo antes de saber se é tão bom quanto parece, adormecer em sua companhia. Ansiamos por aquilo que não temos e que, por alguma razão tola ou desconhecida, nos parece ser definitivamente indispensável.
Colocamos valores exagerados na conta das perdas que tivemos, das dores que nos fizeram encolher à noite na cama, dos fracassos que nos roubaram o fogo da fé em nossa própria capacidade. E assinamos recibos pesadíssimos sobre essas contas, numa manobra arriscada de apostar contra a nossa própria felicidade e a favor do nosso apego à perfeição que escraviza.
O medo do fim nos envolve tanto, que os começos passam em velocidades estonteantes, os meios se dissolvem em águas turvas e revoltas dos pensamentos acelerados e os pontos finais caem qual meteoritos desgovernados em rota de colisão com os nossos sonhos.
Teimamos em tecer teorias de aniquilação material para esse mundo que nos rodeia e abriga, como se esse lugar bendito de moradia fosse um organismo, cuja vida se desenrola numa dimensão paralela, fora de nós.
Como somos tolos. O universo inteiro é um organismo vivo e pulsa, palpita e respira no mesmo ritmo que cada uma de nossas células dança dentro de nós. Cada mínima gota de vida contida em toda água do oceano, carrega em si mesma a nossa ancestral luta para fugir da sina de apenas sobreviver.
Buscamos entender a luz, a escuridão, o frio que corta, o fogo que aquece. Descobrimos que há luzes que cegam mais poderosamente do que a mais retinta das escuridões; que há escuridões que são pausas benditas e bem-vindas a nos embalar no colo e fazer adormecer; há friezas que nos atingem com a indiscutível e transformadora missão de nos incomodar, de nos tirar da calmaria morna da mediocridade; e há chamas que, de tão intensas, nos reduzem a cinzas, e transmutam nossa matéria original em sumo bruto, caldo de vida para que um outro embrião seja gerado e nutrido.
Insistimos nessa visão fantasiosa e infantil de que seremos atingidos por uma bola de fogo redentora, uma reação venal da natureza que chegará para nos igualar a todos, e de tal forma, que não haverá nenhum de nós destinado a sobreviver.
Mas… sabe… o fim do mundo somos nós… a cada vez que trocamos um abraço de corpo inteiro por algo que possa ser possuído; a cada vez que desistimos de um sonho porque é cômodo e menos trabalhoso apenas reclamar; a cada vez que ignoramos um olhar aflito do outro, porque enfiamos na cabeça que precisamos nos proteger e isolar.
E, de verdade, é preciso mesmo que esses mundos acabem. O mundo da posse, da desesperança e da indiferença. Que acabem de forma avassaladora, a ponto de não restar uma única poeirinha dessa ladainha rançosa e triste. E que venha um mundo inédito, onde seremos mais aptos, enfim, para pararmos de enfiar pregos em nossa própria cruz.
Imagem de capa: FotoTravel, Shutterstock