O começo e o fim da vida se parecem. São os dois pontos que unem uma reta, na maioria das vezes bem “sinuosa”.
Quando um novo bebê chega ao mundo o enxoval pode ter vindo dos outlets de Miami ou das lojas da 25 de Março. As pequenas parafernálias infantis podem ser todas antialérgicas e esterilizadas ou reutilizadas pela terceira geração da família. O rebento pode ter um berço de ouro a sua espera e ainda assim decidir chegar na hora do rush, no meio do trânsito caótico de uma grande cidade. Quando chega a hora de vir ao mundo é simplesmente a hora.
E neste momento nenhum deles, ou melhor, nenhum de nós nasce sem presenciar o momento da ruptura. Sem vivenciar a linha tênue que faz tudo mudar e nos obriga logo na chegada a encarar o desconhecido.
Para um bebê recém-nascido o desconhecido tem cheiro e gosto de mundo novo, que ainda está por vir. Um mundo que aos poucos será desvendado, observado e aprendido por ele, em cada detalhe. E com o sorver de cada instante tornará o bebê chorão da maternidade em um arquiteto, juiz de futebol ou missionário. Vai saber? Isso dependerá das escolhas e das tais “linhas sinuosas” que falei no começo do texto.
O choro daquele serzinho desprotegido mesmo tendo uma explicação do ponto de vista biológico, parece também reivindicar o seu direito de continuar onde estava, onde se sentia protegido e seguro, no quentinho do útero materno. Sua breve vida e território conhecido até então está nesse núcleo. Ao sair dali, ainda que seja para o seu próprio bem, há de se enfrentar uma quebra, um vácuo entre o mundo uterino e o mundo fora do corpo da mãe.
É claro que não dá para afirmar, mas talvez seja este até a primeira sensação de medo na vida de um indivíduo. E mesmo sem saber nominar, neste momento tudo que o novo inquilino mundano precisa para se acalentar novamente é o contato com um colo, que exale calor humano. Ele precisa de outro coração pulsante para saber que o seu não está sozinho. Se esse coração é do pai, da mãe, da enfermeira ou de alguém que o encontrou em uma sacola de lixo não é o que mais importa. Mas ele necessita de amparo no meio da travessia, que instintivamente devemos saber desde muito pequenos que não será dividida com mais ninguém.
No fim da vida essa necessidade de amparo se repete. Uma pessoa pode morrer aos quinze, trinta ou noventa anos, quando se tem essa nova ruptura anunciada tudo que se quer novamente é não estar sozinho.
Quantos homens pedem por clemência no leito da morte? Quantos terroristas, assassinos e gente da pesada não são capazes do olhar mais humano minutos antes de morrer, implorando por compaixão? O olhar que nos coloca no mesmo patamar novamente e como o choro do bebê recém-nascido clama por não ficar sozinho em mais uma ruptura. E quando a morte vem lenta, no arrastar da idade, anunciada por um prazo de validade que parece se estender por teimosia, as mãos cansadas e gastas também precisam sentir o calor de uma outra mão, que esteja com ela até o último suspiro.
É mais uma das nossas contradições, nós que passamos por esses dois marcos de ruptura sozinhos, não queremos estar sozinhos em nenhum desses momentos. Seja por medo do que virá, pela sensação de pertencimento ou por pura ironia da vida mesmo, que adora nos colocar no nosso devido lugar. Independente do que acontece no meio do caminho, o início e o fim da vida é igual na necessidade mais profunda de todo ser humano de ser amado. E, esse é um jeito bem direto que a vida tem de dar o seu recado: somos todos farinha do mesmo saco.
Imagem de capa: Low Sugar, Shutterstock