O frio é um convite para encurtar distâncias. Uma bela desculpa para reconciliação depois de um mal-entendido. Quando o casal briga num dia comum, onde a temperatura não ameaça, o marido já acampa no sofá, voluntariamente, sem cogitar a possibilidade de prolongar a conversa. Sabe que depois do erro, ficará uma lacuna que só será superada após algumas horas de solidão da mulher.
Cabisbaixo, o infrator carrega o travesseiro como uma criança que recolhe da caixa somente o brinquedo que ficará na cama durante à noite. A travessia do quarto para sala é realizada apenas uma vez, sem esticar o olhar para o lado e com extremo cuidado para não esbarrar em algum pertence esquecido por ela no meio do trajeto. Depois disso, não voltará mais ao local do crime, a não ser que seja convocado para matar uma barata.
Passar a noite em outro cômodo da casa sem a companhia da mulher é conhecer o campo minado da ausência. É treinar exaustivamente uma posição menos desconfortável, onde possa acalentar a si mesmo até adormecer. O castigo por ter pisado na bola é proporcional ao tempo de adaptação noturna, onde pensará no delito até que o sono resolva suspender o sofrimento.
Quando a temperatura cai, a tolerância aumenta. Há uma solidariedade espontânea de ambas as partes. Uma disposição heroica para evitar que o outro pegue um resfriado e adoeça. As mãos estão sempre disponíveis, como um cabide automático que oferece casaco. Há o cuidado de alertar o outro sobre a importância do uso das meias e o boletim sobre a evolução das enfermidades que surgem com as baixas temperaturas está sempre atualizado como medida preventiva.
O frio sempre joga a favor da união do casal. Qualquer esbarrão é motivo para oferecer abraço e inaugurar uma nova lua de mel. Qualquer caminhada é pretexto para entrelaçar os dedos. O frio é o cupido atento que se aproveita da fragilidade dos corpos para aproximar as almas.