Imagem de capa: conrado, Shutterstock
“Papai, eu estou gostando da Bia…”.
Aos oito anos, na graça de sua precocidade, meu filho João me conta disposto, como quem revela uma decisão definitiva, que decidiu tomar parte na maior e mais democrática alegria da vida, esse tesouro imenso de querer bem a alguém.
Não, meu filho não vai fazer as malas, largar os estudos, deixar a família e viver com a amada numa casa de árvore. Ele só está sentindo amor em seu coraçãozinho sem culpa, sem medo, sem maldade. E eu não vou explicar a ele que é cedo ainda, que as crianças andam muito apressadinhas e que é bom ele fazer a lição de casa e deixar de coisa. Não carece.
João anunciou que está gostando da Bia e isso é um milagre. Neste mundo tão entrecortado por violências e desavenças e todo tipo de malquerenças, um menino se faz alheio a tudo isso e anuncia que gosta de sua coleguinha da escola. O mundo ainda tem jeito!
Por favor, senhores governantes, donos do mundo, monarcas do capital, comandantes dos rumos da economia: tenham a bondade de por esses dias não fazer nenhuma extravagância. Segurem os decretos, os pacotes e as medidas radicais para depois. Adiem os anúncios de guerra, esperem um bocadinho para ordenar a contenção de despesas. Não custa. Aguardem um minuto antes de alarmar as bolsas, retrair o mercado, promover a recessão, incentivar as demissões em massa! Esperem um pouco. Meu menino está sentindo amor! É favor não atrapalhar.
Por gentileza, cavalheiros foras da lei, bandidos, assaltantes, assassinos, estelionatários e desonestos de toda ordem. Quem sabe os senhores não abandonam essa vida triste de desvio e se dão conta de que, se um menino de oito anos pode sentir amor e anunciá-lo por aí, é certo que não é impossível um adulto tomar jeito de gente, arrumar outro afazer mais tranquilo, produtivo, aprender um ofício, qualquer um, firmar num trabalho, abrir um negocinho direito. É que eu acredito mesmo que o amor transforma tudo, sabe? O amor a tudo melhora. Quem sabe os senhores não se apaixonam também e esquecem essa vida torta?
Alguém decerto há de perguntar: “mas o que têm a ver com seu filho o mundo, a economia, a política, a violência urbana?”. Eu respondo: nada! Nenhum dos senhores e das senhoras tem obrigação de esperar meu menino sentir amor para tocar suas vidas. Não se trata disso. É que ninguém precisa pedir licença para sonhar alto, sonhar grande. E uma criança descobrindo que gosta de alguém escancara a porta dos sonhos. Não reparem, não. Mas esse negócio de ver meu garoto apaixonado me encheu de esperanças.
Outro alguém há de acusar: “quero ver o que pensa disso o pai da Bia…”, e eu não perco um só segundo para explicar-lhe que o amor de uma criança de nove anos – pelo menos o da criança que eu educo em minha casa – não tem maldade. Não tem hora certa. Não faz mal. Quanto antes, melhor. Logo, o pai da Bia não há de se preocupar. A quem duvida, que vá ver se estamos todos na esquina. João e eu, Bia e o pai dela e todo mundo.
Miro discreto o olhar perdido do meu filho, distraído sobre sua lição de casa. Decerto está pensando nela, lembrando como é divertido brincar de qualquer coisa na escola ao lado dela. Ele transpira tanta inocência que eu não consigo deixar de pensar: “pobrezinho do meu filho…”. Mal sabe ele que esse mundo tão cheio de desencontro vai fazê-lo chorar tanto e tantas vezes. Beijo sua testa, bagunço-lhe o cabelo e peço a Deus que me mantenha perto nas tantas horas em que ele haverá de sofrer. Não posso evitar a dor, mas comprar um sorvete e ver um desenho juntos na TV já ajuda.
Olhando meu pequeno, penso em toda essa gente grande pontificando sobre “amor certo na hora errada” e me dou conta do quanto eu não acredito nessa história. Se tem amor, a hora é o que menos importa.
Acontece que isso agora não tem a menor importância. Nenhuma dessas questões importa por enquanto. Deixemos isso pra lá. Agora, agorinha mesmo, meu pequeno herói, meu menino, meu filho João se deu conta de que é um ser que sente amor.
Ouço cheio de esperança e orgulho sua declaração indireta – “Papai, eu estou gostando da Bia…” – e respondo a ele sem medo:
“Eu também, meu filho. Eu também!”.