Triste é um mundo que nos cobra felicidade o tempo todo.

Imagem de capa:  rock-the-stock/shutterstock

É que de quando em vez a gente fica triste, sabe? Assim, triste. Macambúzio, cabisbaixo, taciturno. Amuado sem mais o quê. Acontece. Acontece com todo mundo. Quem nunca sentiu tristeza? Há de haver neste mundo quem jamais se viu aborrecido e achou que ia ser para sempre?

Eu fico triste. Quase sempre. Depois passa. Mas eu fico. E acho uma bruta covardia que o mundo nos cobre felicidade o tempo todo. Não dá. Tem horas em que a gente se aborrece. Daí vem alguém nos apontar o dedo, o queixo, o olhar superior e dizer “vai lavar a louça que passa”.

Acontece que talvez eu não queira que passe assim, com a espuma da louça enxaguada. Porque não se faz isso com visita nenhuma. “Senta um pouquinho aí, dona tristeza. Eu vou ali ajeitar a casa e já volto papear com a senhora, tá?”

Então eu demoro um tanto lá dentro e quando volto me dou conta de que a tristeza, cansada de esperar, já foi embora. Pode até funcionar uma vez. Duas. Mas não dá certo para sempre. Uma hora ela agarra na sua perna e vai junto. Vai com você lavar a louça, vai com seus tantos nomes. Agonia, mágoa, dor, desconsolo, pesar, luto. Ficam todos ali, na gordura dos pratos sujos, na superlotação da pia, na esponja envelhecida, no copo que escorrega de suas mãos ensaboadas e se espatifa na vida. No desânimo de estar ali com você. Em você.

Aí não tem jeito. É preciso sentar com ela e olhá-la nos olhos. Ouvir suas histórias, saber seus motivos. Aprender que todo mundo uma hora há de ser triste. E que a tristeza é nada senão uma crise. Crisálida gestando seu tempo de ser borboleta.

Repare. Toda gente feliz já sentiu tristeza em algum grau, de qualquer tamanho, cor, intensidade. Ser feliz é conhecer a comparação. Quem já se viu triste valoriza de fato os minutos de alegria que, somados ao longo da vida, talvez resultem em felicidade.

Tem gente abrindo mão de seu direito sagrado à tristeza. Cheios de medo, damos as costas, fingimos que ela não existe e perdemos a melhor parte da felicidade que nos cabe: o susto de sua chegada, a consciência de sua estada em nós. E isso é o mais triste.

Quer saber? Gente muito feliz o tempo todo me incomoda. Gênios superiores, seres bem resolvidos insistindo em jogar sua alegria na minha cara, escancarar elevação, impor sua felicidade como quem exibe um brinquedo novo. Só para farejar minha névoa e escarnecer da minha incapacidade de ser como eles.

Eu fico triste, sim. Vira e mexe, entristeço. Mas sabe o que é? Isso não faz de mim pessoa infeliz. Ah, não faz, não.



LIVRO NOVO



Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

1 COMENTÁRIO

  1. Eu penso q ser triste, ou melhor, permitir-se a certas tristeza, é permitir q nossa condição humana nos desprenda do verniz das hipocrisias sociais, é aceitar q a reflexão te inclina ao olhar mais sensível aos momentos q pautam os dias. Essa “licença” consiste em saber dosar a sabedoria buscando lidar com a vida de modo efetivo a árdua tarefa de desempenhar a autocriticidade.

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