Imagem de capa: Agnes Kantaruk, Shutterstock
Me dá até um arrepio na nuca essa gente que fala manso demais, olha manso demais, parece mansa demais. Fico sempre com impressão que de uma hora para outra, a tal doçura em forma de gente vai começar a revirar os olhos e sofrer uma metamorfose bem ali na minha frente.
Esse tom de voz monocórdio é estratégia de marketing para pegar trouxa, isso sim! Eu, para ser bem honesta, reconheço a espécie só pelo faro. Deve ser por causa das incontáveis vezes em que tomei rasteira de “excelentes pessoas” e ouvi palavras destruidoras em voz de veludo.
E cá entre nós, há uma coisinha que eu mesma preciso confessar: sei lá por que cargas d’água, mas… quanto mais brava eu estiver, mais baixo eu falo. Pois é… esse fenômeno, em verdade, tem uma explicação bastante razoável: o timbre da minha voz é um pouco infantil; então, se eu aumentar o tom, fica parecendo criança fazendo birra, sabe como é? Melhor evitar.
Por outro lado, é bem verdade que eu devo ter entrado na fila da paciência umas vinte e cinco mil vezes. Sou dotada de uma paciência que beira o infinito. E isso vale tanto para experiências de vida, quanto para pessoas que cruzem o meu caminho.
Talvez tenha sido por isso a minha escolha profissional. Me encantam as pessoas com jeitos peculiares de ver e interpretar o mundo. Sobretudo, as crianças especiais me fascinam. E neste caso, no trato com os pequenos e também com os adolescentes, eu diria que não se trata de ter paciência, eu curto mesmo. Sou apaixonada pelo universo intrincado das mentes que subvertem a lógica, que não cabem nos espaços escolares, que extrapolam a capacidade de compreensão da educação formal.
No entanto, além da paixão pelo diferente, é preciso que eu reconheça que há habilidades correlatas à paciência que se fazem indispensáveis ao processo de aproximação desses indivíduos às esferas da aprendizagem. A tolerância é filha da paciência. A flexibilidade é filha da paciência. As mentes abertas são irmãs da paciência. O desejo de acolher e compreender a dor do outro é a alma gêmea da paciência.
E a doçura, quando genuína, é dessas coisas raras que só as pessoas raras são capazes de enxergar e oferecer. A doçura verdadeira é dessas coisas que a gente não aprende, nem ensina de propósito. Ela é da esfera das aprendizagens espontâneas, aquelas que moldam a gente de um jeito bonito; de um jeito que nos torna aptos para absorver o amor em sua essência pura.
A doçura do mel, no entanto, não vale a picada da abelha. E essa é uma reflexão extremamente poderosa e transformadora, porque nos convida a estar dos dois lados de um impasse simbólico tão antigo quanto a nossa existência nesse planeta. Tirar o mel, pode significar invadir o espaço alheio, naquilo que ele tem de mais íntimo e indevassável, subtrair do outro algo que foi construído à custa de muito esforço. E na face reversa, a picada da abelha nos remete à incapacidade de compartilhar afeto, a rejeição inesperada que ferroa o peito numa dor que nos pega de surpresa, e pode persistir para todo o sempre, caso a gente se apegue ao ferrão.
Então, que sejamos capazes de oferecer e receber doçura, apenas e unicamente quando ela vier daquele lugar lá dentro da gente, onde nascem os sentimentos puros e incorruptíveis. Caso contrário, o que sobrará do encontro com o falso doce será apenas a dor da picada, e nada mais.