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O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos filósofos mais respeitados e comentados da atualidade e os motivos não são surpreendentes: além de fazer da filosofia algo acessível, suas mais de 50 obras se dedicam a temas como o consumismo, a globalização e a fragilidade a qual estão expostas as relações humanas. Como dizia o própria autor: “os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar”.
Bauman era um escritor raro. Utilizando-se da ideia de “liquidez” descrevia os problemas de relacionamentos como feridas da alma. Sabe aquele “tapa na cara com luva de pelica” que levamos da vida? Então, são os que os livros de Bauman nos proporcionam.
Questionado sobre qual a definição exata de “líquido” em seus livros (Modernidade Líquida, Amor Líquido e Vigilância Líquida) e autor foi bem objetivo: “Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.”
Soco no estômago a parte, Bauman, sabia exatamente o que estava falando. Para ele, quando as relações são abaladas pela qualidade (a famosa expressão “qualquer companhia serve”), temos a tendência de tentar recompensá-la com uma quantidade absurda de parceiros. E isso não se restringe aos relacionamentos amorosos. O autor exemplificava sua teoria baseado nas redes sociais: “A internet e o Facebook nos tranquilizam e nos dão a sensação de proteção e abrigo, afastando o medo inconsciente de sermos abandonados. Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”.
Bauman estava tão certo quanto dois mais dois. Nossa geração vive a “felicidade” competitiva de ter 2 milhões de seguidores do facebook, mas não temos 20 amigos frequentadores de nossa casa. O que, realmente mudou: a definição da palavra amigo ou a nossa visão de amizade?
Em “Amor Líquido”, seu livro mais comentado na atualidade fica claro a liquidez das relações humanas. Nele o autor elabora análises próximas ao cotidiano, perpassando pelas relações sociais, e focando nas relações amorosas. No livro, a visão realista de Bauman, traz doses de realidade para quem quer fazer um autoconhecimento da alma e das ações cotidianas.
O amor, para o filósofo, é visto como algo real e aplicável, diferente desse sentimentalismo barato que pregam atualmente. Exemplo disso, são os namoros pela internet, um assunto discutido frequentemente pelo autor. As vantagens desse tipo de relacionamento são a segurança e a falta de compromisso, visto que o contato, ou potencial namorado, pode ser deletado a qualquer instante sem maiores consequências. “O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angústia. Filosoficamente a angústia é o sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos”, conclui o sociólogo.
Calma, ter um relacionamento pela internet não é ruim. O filósofo apenas mostra que, em seu ponto de vista, diferente da presença, o relacionamento virtual tem outros padrões de escolha e de rejeição e, em sua visão, isso torna as pessoas mais solitárias do que já estão.
Em suma, Bauman procura mostrar que o problema da solidão está no próprio comportamento humano, relatando que nossas dificuldades em desenvolver uma comunicação afetiva, fiel e respeitosa, se refletem a um medo e uma insegurança generalizada.
Com a morte de Bauman perdemos muito. Perdemos inteligência aliada à sabedoria, conselho aliado à prática, sonhos aliados à vontade de viver: Perdemos um filósofo que se preocupava com uma geração que, talvez, nem tenha tido a oportunidade de ler suas obras ainda: “ eu desejo que os jovens percebam, razoavelmente cedo, que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela, através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos”.