Imagem de capa: Impact Photography, Shutterstock
Ninguém gosta de levar tombo. Assim que se concretiza a queda, a reação imediata é olhar em volta; pior que cair só cair com testemunhas. O tombo dói moralmente. Mas, dói fisicamente também. Até que cheguemos à calejada idade adulta, devemos ter ralado os joelhos dezenas de vezes. E dói! Somos crianças, levamos tombos por inexperiência ou ousadia; e o adulto que nos assiste declara solenemente “Não foi NADA!”. Se pudéssemos reagir à tamanha falta de empatia… Mas não podemos! Somos menores, mais fracos, dependentes e estamos no chão. E permaneceremos no chão cada vez que nossa dor, vergonha, medo, habilidade ou dificuldade for reduzida a NADA.
Levar um tombo é apenas uma das milhares de agruras enfrentadas com regularidade por cada um de nós na elaborada tarefa de crescer. Quando somos crianças, é natural que a nossa curiosidade e atração pela aventura, sejam infinitamente superiores à prudência ou avaliação do risco. Somos movidos pelo impulso, somos atrevidos, inventivos, criativos e vorazes. Queremos tudo, queremos muito e queremos agora. Somos capazes de perceber o mundo sob uma ótica incompreensível para os adultos. O nosso filtro é uma peneira rústica, tão diferente do sofisticado filtro dos adultos, capaz de separar o que é real do que é fantasia. Somos um mistério para os adultos. E, por isso, eles ficam desconfortáveis na nossa presença. Reagem de formas estranhas à nossa inata capacidade de fuçar, questionar e inventar. Os adultos não são capazes de enxergar nossas fraturas internas. Eles entendem o que estiver aparente, externo, exposto.
As fraturas internas nos pertencem. Nascemos assim, quebrados, desconstruídos, desencaixados. Somos felizes assim; e poderíamos sê-lo eternamente caso fosse possível ser criança pra sempre. Mas não é! Precisamos descobrir a fórmula que resulta no crescimento, que nos leva a aprender, amadurecer e entender o mundo sob a ótica desses complicados adultos. Entretanto, eles (os adultos) já sabem a fórmula; eles a criaram e manipularam de tal forma que precisamos deles para conseguirmos utilizá-la.
Ocorre que os adultos não são muito afeitos a essa coisa de compartilhar e cooperar. É uma dificuldade lidar com isso pra eles. Portanto estamos diante de um enigma, cujo guardião não fala a nossa língua. Os adultos são crianças que se perderam. Não são capazes de resgatar o que já foram; não estão aptos a acolher aqueles que ainda estão lá, naquele lugar onde não é possível voltar. E alguns deles decidem, inadvertidamente, gerar crianças; crianças perdidas trazendo ao mundo crianças recém-nascidas. Vejam só! Há que se procurar um jeito de encontrar o caminho: uma bússola, um mapa, uma pista, as estrelas. Mas como ler estrelas, quando não se tem tempo de olhar pro céu; quando se optou por viver num lugar cujo céu não tem mais estrelas?
Ao serem expostas ao convívio com adultos distantes de suas necessidades de afeto, cuidados e orientação, as crianças acabam sendo afetadas e têm a formação de seu caráter cognitivo, social e afetivo, deformada. Pais extremamente permissivos são tão prejudiciais ao desenvolvimento das crianças, quanto aqueles demasiado intolerantes. Os laços e relacionamentos criados pela afetividade não são baseados apenas em sentimentos; mas também em atitudes. Isso significa que em uma relação existem várias atitudes que precisam ser cultivadas, para que a troca entre todos os envolvidos prospere e seja saudável. Os adultos abraçam uma missão bastante complexa quando tomam a decisão de ter filhos; essas crianças dependerão de seus cuidados, de sua proteção, orientação e afeto por muito tempo. Esses adultos precisam estar preparados para assumir uma tarefa árdua de aprender a ser o ponto de segurança e autoridade e, ao mesmo tempo, a fonte do amor incondicional.
Afetividade e cognição não são funções exteriores uma à outra. Ao reaparecer como atividade predominante, uma incorpora as conquistas da anterior. Somos cíclicos e complexos, sentimos e pensamos, pensamos e sentimos. As emoções modulam nossa capacidade de aprender; a capacidade de aprender nos emociona.
O desejo interminável e belo pelo conhecimento e pelo afeto nos impulsiona sempre à procura de incríveis aventuras e viagens por lugares e situações ainda não experimentadas. Vamos nos construindo e transformando a cada instante, em nosso íntimo e com o outro. Voltamos a ser as crianças recém-nascidas a cada nova situação desafiadora e desconhecida. Os terrenos acidentados nos encantam e seduzem. Os tombos são inevitáveis. Então, que nossas fraturas internas sejam percebidas, aceitas e curadas em qualquer circunstância.