Imagem de capa: kung_tom/ shutterstock
Eu já fui uma menininha muito medrosa. Tive medo do escuro, da autoridade dos adultos, de pessoas agressivas, de não ser amada, de errar.
Passei grande parte da minha vida de criança acreditando que precisava ser perfeita, que não podia reclamar e, mais do que tudo, que não tinha o direito de ter medo. Alimentava a fantasia de que um dia todo esse medo se transformaria em força, e que a angústia da falta de coragem se transformaria apenas em uma lembrança incômoda. E essa transformação aconteceria assim. Pluft! Como num passe de mágica! Não foi assim.
Cresci frágil, muito frágil aos olhos do mundo. Mas, dentro do meu peito foi crescendo uma outra versão de mim mesma. Uma menina destemida, atrevida, curiosa, atirada e forte foi se desenhando. Um desenho complementar afetivo, constituído por duas meninas numa só. Essa outra, de dentro do meu peito, deu a mão para a menininha frágil e precisou muito dela para não se perder.
Um dia, nós duas fomos visitadas por uma ameaça real. Não era mais um medo infantil, temido pela medrosa, nem mais uma das tantas batalhas ideais tão ansiadas pela corajosa.
Era um turbilhão de pequenos sustos que foram se tornando maiores e mais próximos e mais reais, sensações e acontecimentos a invadir o corpo físico e psíquico, minando a força dominando a alma, minando a fé na própria força e nas belezas da vida.
Nós duas ficamos muito, muito assustadas com tudo isso! Então, aconteceu algo realmente extraordinário. A menininha medrosa encheu o peito de ar, a cabeça de sonhos, as mãos de alegria e disse para a corajosa “Vem, eu vou te ajudar!”
Coisa mais estranha e linda essa. A lógica dos adultos é frágil diante da dor física e do sofrimento psíquico. A alma de criança não as reconhece como ameaça, não as aceita, não as deixa ficar.
E foi assim, desse jeito meio torto e bem bonito que as minhas partes de mim se uniram para me salvar.
E foram tantas experiências avassaladoras e espantosas, surpreendentes e amorosas, inacreditáveis e preciosas. Nós duas, juntas, somos quase, quase imbatíveis.
E depois desse encontro e de tantas batalhas vencidas, nós nos deitaremos na areia, na beira de um mar muito distante e verde azulado, e poderemos chorar e rir, a cura, a vitória, a passagem pelos vales escuros e a chegada aos cumes iluminados. Porque é disso que é feita a vida, do encontro da criança que fomos com o adulto que estamos tentando ser.
E caminharemos sempre de mãos dadas debaixo das estrelas. Porque tudo isso já estava decidido! Já estava escrito. Já era, muito antes de ser! Eu sou um milagre! Todos nós somos!
E acredite, isso não é pouca coisa!