Imagem de capa: Grekov’s, Shutterstock
Eu sou dessa gente que anda só. Não me pergunte por quê. Eu não sei responder e você vai achar que é indelicadeza minha, mas é nada senão a mais sincera incapacidade. Não consigo, não dá.
Minha bicicleta não tem garupa, é veículo de um sozinho, descendo uma estradinha esburacada com um equilíbrio tão delicado que é preciso manter as duas mãos no guidão o tempo todo, sabe? Descobri que posso lhe dar uma delas agora e logo tenho de soltar. Não por nada. É só para não me esborrachar no chão. E acredite: se eu não largar a sua mão, você vai cair também.
Acontece sempre. Vira e mexe, meu balão excede a capacidade de carga e começa a descer. É quando você deve pular de volta para o seu. Só assim, você aí, eu aqui, cada um de nós em seu próprio balão, ganharemos o céu de novo. Subiremos para além das nuvens, acima das tempestades e turbulências, onde o ar é raro mas é feito para quem aprende a respirar devagar e sempre.
Lá em cima, o céu do dia é azul, azul que dói. O sol é franco, o vento é calmo e o silêncio é doce e bom. À noite, é tanta estrela mais perto que a gente aprende a olhar aos pouquinhos.
E tem a lua enorme comandando as marés aqui embaixo, inspirando os amantes, fazendo a festa de quem sonha como você e eu.
Cá embaixo, meu barquinho estreito, frágil, não suporta mais de um por muito tempo. Qualquer elemento novo é capaz de virá-lo de pronto. Iríamos os dois para a água. Daqui, no leme grosseiro da minha embarcação solitária, olho para cima com ares de nostalgia. Sou criatura das rodas gigantes, dos teleféricos e montanhas russas. Sonho com as alturas e o silêncio. Sou dessa gente que anda só.
Ouviu? A voz da moça no aeroporto anuncia a hora do voo. Última chamada. Passageiros com destino ao logo mais, embarque imediato no primeiro portão aberto. Meu avião já está ali, pousado, me esperando com a perfeição e a generosa complexidade dos aviões de papel. Mas só cabe um.
Não é por mal. É por defeito de nascença. Eu sou dessa gente que anda só. Gente rarefeita, imperfeita, escassa e com tão pouco para dar. Vou, vamos, aos pouquinhos, com o vento farto e os amigos raros, cada um em sua bicicleta sem garupa, seu balão instável, seu barquinho pessoal e intransferível, sua aeronave de jornal.
Assim, voando sós por aí, você e eu nos encontramos um dia. Assim haveremos de nos reunir. Livres, fortes, seguros. Donos de nossas embarcações, acima das imposições, das cobranças e dos pesos da vida burocrática e normativa de ontem, de hoje e de amanhã. Felizes no leme de nossos destinos. Porque temos nada senão a mais sincera incapacidade. Porque somos dessa gente que anda só.
100% de sintonia! Também ando só, amo-me demais cada dia mais. Amo viajar sozinha, amo morar sozinha, até tentei estar com alguém várias vezes mas minha bicicleta também não tem garupa.
Defeito de nascença, sou atacada pela sociedade por ser solteira, por ser bonita e feliz.
A solitude é encontro consigo mesmo.