Imagem de capa: Augustino, Shutterstock
“A força invencível que impulsiona o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados.” (Gabriel García Márquez)
Desde cedo você é convidado para conhecer as peripécias do amor. Começa com o riso frouxo na infância e nas inúmeras tentativas ingênuas de agradar quem se gosta. Emprestando um brinquedo você acaba entregando o coração. Inocente, vibra com a primeira vez que segura a mão em direção ao parquinho da praça. Depois o sorvete compartilhado, uma clara prova de respeito e admiração. O tempo é um detalhe chato, e quando a mãe grita que volte ao ninho, o bico chega a dar pena por tamanha separação precoce. Até que você esquece, porque nesse tempo, o coração é novo, jovial e vibrante. Ele transborda amores facilmente. Nem liga para os riscos, simplesmente vai e encara. Se não der, nada que novas e adoráveis distrações não resolvam. E assim você segue, acreditando em novos risos no dobrar da esquina.
O colorir sai de cena para a chegada do “é agora ou nunca”, afinal, na adolescência não pode existir margem de erro. É o tempo do amor certeiro, do amor pra vida inteira. O caderno rabiscado, as frases pulsantes para externar um sentimento infinito recheado de loucuras e sonhos a dois, onde o beijo torna-se urgente, o abraço uma contemplação da instigante felicidade. Um corpo inteiro falando pelos cotovelos e tudo aquilo que você quer em troca: – Eu te amo. E te amo. E te amo mais um pouquinho. Não! Eu te amo mais! Para sempre!
De forma irônica, a vida lhe mostra que não é bem assim que funciona. Porque o coração ainda é jovem, inquieto e confuso. Não sabe mensurar amores ou contenta-se em longo prazo. O tempo urge e novas distrações vão caindo de paraquedas, justo quando você achava ter encontrado o amor maior. Novamente, ingênuos. Daí o mundo desaba no primeiro término. Falta ar, falta tudo. Fala até que queria ter uma máquina que apagasse as memórias vividas do desamor, porque só de lembrar, impossível de viver.
Passado o período de caças às bruxas, com o coração já cambaleando e maltratado mediante tontos tombos e capotagens, você pensa ter aprendido a lidar. É adulto e responsável. Paga as suas contas, vive uma época de muitos amigos, experiências, novidades e prazeres. Prepotente, se coloca na crista da onda quando o assunto é falar de amor. Pitacos por todos os lados, mas de noite, tira o coração empoeirado da gaveta e pensa sobre quando conhecerá alguém capaz de cuidar da maior preciosidade da sua vida.
Um novo dia surge. Relacionamentos líquidos, relacionamentos duráveis. Você até deu alguma sorte durante um tempo. O amor sorriu pra você. Era carinhoso e cheio de afagos e cuidados. Compartilhar era fácil com. Não era necessário dizer muito, pois quando as mãos estavam dadas era verdadeiro. Mas desde cedo nos ensinaram errado sobre o amor. O romantismo que nos fora passado está muito distante da realidade. Porque a concepção de amor praticada com o passar dos anos fugiu do controle. Exacerbamos o mito de duas pessoas poderem ficar juntas só porque se amam. Esquecemos o cuidado com o outro. Jogamos fora a admiração do ontem para darmos lugar aos jogos irrefutáveis das convivências. Trocamos o respeito pelo querer estar certo. E em todo esse processo, incorporamos mazelas no riso que antes era genuíno.
No entanto, temos uma lição cabal a ser compreendida; é dos desamores que surgem os grandes amores. Ainda há esperança.
“Pode ser o que você nunca viu / Pode ser o que você tem na mão / Pode ser exatamente o que eu digo / E também pode não / Então esqueça seus sonhos / Esqueça as regras e a exceção / É mais real cru e fascinante / É mortal passível de ressurreição” (Herbert Vianna; João Barone)