O rei e a bailarina

Imagem de capa: Oleg Ermak, Shutterstock

Menina boba, virada em sonhos, costurada no tecido da esperança. Não teme o tempo, pois o fez seu aliado na difícil arte de voar. E o tempo voa pelas entranhas da idade. E a menina voa nas asas da imaginação.
Combustão é o que causa quando olha a vida, quando encontra sempre uma saída para as portas que fecham. O mundo inteiro cai e reclama da curvatura, mas você quer mesmo é dobrar os joelhos. “O que faz de você essa fortaleza?” – quis saber o rei.

“A fé” – disse ela apressada. “A fé é o que me move – tal e qual faz com as montanhas naquele velho ditado popular”. E continuou: “o senhor me dá licença, mas tenho pressa, pressa, pressa, muita pressa para ser feliz”.

Ajeita as sapatilhas gastas pelo chão de pedregulhos. Que chão, que nada! A bailarina nem liga e trata logo de girar pelos ares, meio pássaro, meio nuvem, meio espírito. Nem sei se vejo a menina ou se é poesia que se faz sem a mão.

Parece um milagre de tão bela. “Eu sou o milagre” – rebateu ela. “A vida por si só já é uma benção, senhor!”. O rei emudeceu diante da bailarina. Ora, me diga: quem não emudeceria? Dança, dança pequena, pois o palco que te sustenta já nasceu iluminado.

“Qual é o segredo?” – perguntou todo o castelo admirado. O príncipe respondeu: “o segredo é que não tem segredo, é simples feito o sol que irradia seu sorriso”.

Bailarina, bailarina, olha que desse jeito o rei não aguenta. Já até jurou deixar a rainha! “Bobagem da realeza!”, gritou a doce menina. “Pergunte a qualquer bailarina de quem é seu coração”.

“E de quem é seu coração?” – quis saber o rei empolgado, tratando logo de calar a multidão. Nunca se viu tamanho silêncio no castelo. Diante de toda realeza, a plebe e a nobreza esperavam pela consagração de sua majestade.

“Ela vai dizer que é o rei” – apostou o bobo da corte. Ora, que rei, que nada. “Meu coração é do Plié, senhor!”. Furioso da vida, arrancou a coroa que escondia os ralos cabelos brancos e disse: “Ousadia! Ousadia! Arranquem-lhe a cabeça desse tal Plié!”.

“Nada disso, senhor!” – disse a doce menina já flexionando os joelhos e levantando os calcanhares.

“Isto é Plié, senhor”.

Coitado do rei e de todos os outros! Mal sabem eles que se conhece uma legítima dançarina pelo seu plié. Foi assim que a pequena partiu. E o castelo todo achou graça da resposta da menina.

Ora, que outra resposta seria? Louco mesmo é quem pergunta pelo coração da bailarina.



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Não nasci poeta, nasci amor e, por ser assim, virei poeta. Gosto quando alguém se apropria do meu texto como se fosse seu. É como se um pedaço que é meu por direito coubesse perfeitamente no outro. Divido e compartilho sem economia. Eu só quero saber o que realmente importa: toquei alguém? É isso que eu vim fazer no mundo.

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