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Todo fim é um bom motivo para recomeçar, independente do sofrimento que isso implique. Um término de relacionamento, seja ele qual for, é doloroso, corta fundo, machuca, deixa marcas, mas é necessário para que algo maior aconteça.
É óbvio que a gente só entende isso quando a ferida cicatriza e o peito para de queimar no fogo da desilusão. Antes, e durante algum tempo depois, somos tomados por uma coisa que chamo de patologia da cegueira louca-emocional.
Inventei esse termo logo após o fim de um namoro que me rendeu dores absurdas na cabeça, uma gastrite mais do que nervosa, além de uma dificuldade incontrolável de ler o último capítulo de um livro já destruído pelo tempo.
Acho que tinha uns 22 anos, um pouco menos do que isso, menina imatura e completamente verde nesse negócio que a gente chama de amor, mas que só é amor mesmo quando entendemos que compartilhá-lo é coisa de “adulto”, não estou falando só de idade, ok?
É que a criança faz isso naturalmente, sem esforço, sem ceder o espaço do seu sonho para que o sonho do outro fique confortável. A gente quando “cresce” desaprende um pouco sobre amar incondicionalmente e acaba fazendo cálculos o tempo todo, ficando pequenino para que o parceiro se sinta maior, deixando os gostos para lá e os desgostos para cá.
As relações ganham uma conotação mais comercial e é assim mesmo que acontece. Como dizia minha avó: “são os labirintos da vida”. Voltando ao fim, que também é um grande labirinto da vida, precisamos ter resiliência para aceitar que certos amores terminam e pronto.
Acho que necessitamos mais ainda de compaixão para que esses ex-amores continuem vivos em um lugar espacial da nossa memória, pois eles foram essenciais para que todos nós chegássemos aqui hoje.
O ex-amor é a ligação mais saudável que temos com um passado recente (ou nem tanto), mas que deve ser visto e entendido como um poço nada raso de puro aprendizado. O fim é o começo. O começo de um nojo jeito de ver o amor, de uma nova forma de fazer o amor acontecer e uma chance imperdível para não repetir o que deu errado.
Se o meu casamento acabou, e os casamentos acabam antes mesmo das pessoas perceberem, preciso de um tempo para sofrer o luto, e enterrar o coração no juramento de que nunca mais ele será de alguém (atire a primeira pedra quem nunca prometeu isso).
Durante o luto é evidente que estaremos sofrendo da patologia da cegueira louca-emocional e, muito possivelmente, nada parecerá resolver a dor da despedida, que sempre chega para uma das partes antes do tempo previsto pelo outro.
E é aquele sofrimento danado, aquela choradeira, aquele caos interno – que reflete no externo – e tudo vira uma grande tragédia. É nessa fase que o amor perde a cor, fica cinza e com gosto amargo do “nunca mais seremos felizes para sempre”.
Porém, em um domingo sombrio de setembro, você resolve colocar a carcaça para fora de casa e dá de cara com a oportunidade cruzando a esquina da padaria. Ou da farmácia, ou da baladinha, ou do restaurante, ou na esquina de qualquer outro lugar.
E o que era o fim dos tempos vira uma nova primavera. E você percebe que as flores já tomam seus lugares nas árvores, que o dia parece mais bonito e que a síndica chata do seu prédio não é tão ruim assim.
E a lacuna vazia vai sendo preenchida pela música brega que você nem conseguia mais escutar, aquela que fala de se apaixonar, de amar, de casar, ter dois filhos e um cachorro. Aquela do edredom, do filme bom no frio de agosto, sabe?
E o ex-amor, que era o motivo da dor absoluta, muda de cor, vira passado. Vira o que já passou. Vira, vira, virou. E uma nova pessoa, cheia de belezas infinitas, joga a flecha do cupido bem no meio do seu coração.
Não adianta, o amor sempre acha um jeito de chegar de novo. E a gente tem é que agradecer a chance de nunca deixar de amar, ainda que as pausas nos encham de farpas e fiapos. Vamos retirando os espinhos aos poucos, permitindo que o novo se aprochegue com jeitinho no melhor cantinho do nosso peito.
O fim é sempre o começo. E começar de novo qualquer coisa é a prova mais bonita de que estamos vivinhos da silva. E de que estamos quase sempre prontos para mais uma viagem inesquecível para a lua.