Imagem de capa: Anatoliy Cherkas, Shutterstock
Me esquivo. Ele me olha. Eu disfarço. Ele sorri. Se senta ao meu lado várias vezes, enquanto eu procuro um motivo para estar ali.
Enquanto ele corre, eu o observo, e dentro de alguns poucos minutos desejo incansavelmente que aqueles olhos, que disfarça aquela escuridão impermeável num aviso esverdeado sutil do meu paraíso, encontrem os meus. Oras. Inconsequente desejo. Veja essas pessoas, são tantas! Inocente menina, eles te vêem!
Aquele par de olhos intensos me fita, inúmeras vezes. Eu mal consigo entender porque toda vez que nossos olhares se encontram, sorrimos um para o outro. É como se meu corpo gritasse.
Ele é só um rapaz cujas características todas me atraem. É só um conjunto de tudo que cativa. É só. Isso. Aquilo. E todo o resto. Tudo. O todo. Completo.
O diminuir das vozes anuncia o final da noite. Nascer de um novo dia? Ou talvez, de mais uma agonia. Minha. Despedidas me aguçam o coração, sinto-o pular em meus dentes, serrados tentando me convencer de que é só resultado de uma madrugada fria. Piegas, mentira. Fogo, já queria teu perfume misturado ao meu.
Enfim sós. Uma minúscula jornada até que eu pudesse observar seus olhos de novo. Dessa vez mais perto. Bem perto. Quase dentro. Descobertas, devaneios, aventuras, desesperanças. Ele tenta amigável e carinhosamente me recompensar, eloquente me da todos os motivos para estar ali.
Minha boca seca. E meus lábios dançam numa pista confusa entre o espaço que há entre nós e as palavras certas para lhe roubar um beijo. Deixo sempre evaporar uma palavra e outra que ele diz. Meu Deus, ele me desconcentra. Me desconcerta. Nossas mãos se tocam em alguns instantes. Não sei o que fazer. Falho.
Me preocupo com as horas. Pouco descanso para ele, muito desgosto para mim. Vou eu me retirar em covardia sem um beijo sequer? É, parece que sim. Ele me desarma de toda aquela tralha madura e profunda de mulher de atitude. Me sinto menina. Onde foi que me perdi? Em que caminho me esqueci? Na curva daquele sorriso.
Um certo desespero me toma, e lhe abraça. Minha fala começa a tirar os espaços entre nossas estranhezas pra dançar. Em uma fração de segundos, não há um fio de cabelo que atravesse o peito. Ele se rende ao meu abraço, e eu ao meu escudo. E ali somos um. Somos nós. Somos nossos. Dois rostos desconhecidos emaranhados na imensidão de um momento.
Eu ganho um beijo profundo no rosto. Mas me atrapalho em retribuir. Ao sairmos o frio me presenteia com seu sopro gélido para pensar. Não penso. Dispenso. Dispenso as regalias e a sutileza das palavras, meu coração grita, o corpo esperneia. Me vejo livre ao expressar o meu desejo e presa piedosamente contra as grades da calçada.
Perdoe-me. Não consigo descrever esse beijo. Mas quase posso repetir o suspiro ritmado, ao fechar os olhos. Elegantemente ele me provoca com uma pausa, sussurrando algumas palavras sem tirar seus lábios dos meus. Quero o sorver por inteiro. Vejo sorrisos desabrocharem entre um beijo e outro. Nossos olhos se namoram. Enamoram. Ele me agradece e num ato instintivo, me envolve em seus braços firme e seguramente.
Esse beijo aconteceu diversas vezes, durante toda a noite, antes mesmo de chegar às nossas bocas.
Mas ele é só um rapaz cujas características todas me atraem. É só um conjunto de tudo que cativa. É só. Isso. Aquilo. E todo o resto. Tudo. O todo. Completo. Incerto. Até que me prove o contrário.