Uma conversa de homem pra homem com meu pai sobre ser gay

Imagem de capa: Soloviova Liudmyla, Shutterstock

Morei 2 anos em Porto Alegre. Lá participei de uma experiência inusitada. Tudo começou durante uma roda de conversa em um bar. O assunto era o Big Brother. Eu expus minha opinião. Gosto do programa porque sou movido pelas relações humanas. Uma amiga me perguntou:

“Você já pensou em se inscrever para participar do programa?”

“Não, tenho medo de ser julgado.”

“Você vai deixar de viver uma experiência que sente vontade por conta da opinião de outras pessoas? Thiago, para além do programa, eu acho que você precisa se desvincular da opinião alheia para encontrar a felicidade da forma mais profunda e única. Eu jamais entraria em uma programa desse tipo, porque não gosto de exposição. Mas, se faz sentido pra você, por que não?”

Aquela conversa provocou uma reflexão profunda dentro de mim. Quantas vezes deixei de fazer algo por conta do medo do julgamento? Naquela noite tomei uma decisão. Me comprometi em ser fiel ao que faz meu coração bater mais forte. E foi com base nisso que eu liguei meu notebook, abri o site da Globo e fiz minha inscrição para participar do programa.

No outro dia acordei e segui a vida. Uma semana depois recebi um e-mail da produção do programa. “Parabéns, você foi convocado para participar de uma seletiva do Big Brother. Compareça no dia 10 de junho no Hotel X em Porto Alegre com o seu RG.”

Gelei. Comecei a pensar uma série de questões. Como será a entrevista? Qual roupa usar? Será que tô preparado para lidar com isso? Não sabia. Mas o coração batia mais acelerado toda vez que eu pensava na experiência. Até que o dia chegou. Vesti a roupa que eu me sentia mais confiante na época e fui.

Chegando lá entrei na sala para aguardar a entrevista. 200 pessoas de diferentes personalidades. Cada pessoa aguardando o momento para ser chamada. Até que chegou a minha hora. Entrei em uma sala. Fui entrevistado por uma produtora.

“Você gosta de festas? Qual a sua orientação sexual? Quando foi a última vez que você bateu, socou, chutou ou atirou alguma coisa com raiva? O que o irritaria ao conviver numa casa com outras pessoas ? Existe algum segredo que você nunca contou para ninguém?”

Eu me senti seguro e descontraído durante as respostas. Senti que a energia fluiu. E assim fui aprovado para próxima fase.

Um segurança me conduziu até a próxima sala de espera. 20 pessoas aguardando orientações. De repente, um senhor sai da sala para ir ao banheiro. Era o Boninho, diretor do programa na época. Senti o frio na barriga. “Agora a coisa ficou séria”. Após algumas horas, entrei na temida sala. 10 produtores(as) sentados ao redor de uma mesa. Câmeras ligadas. Me sentei no centro da sala. Falei meu nome e comecei a ser sabatinado por todos aqueles olhares. Vi minha intimidade nua diante do mundo.

Boninho me questionou:

“Sua família sabe que você é gay?

“Por enquanto, só minha mãe.”

“- Você acha que o seu pai, um homem do interior da Paraíba, está preparado para descobrir que o filho é gay, através de um programa de televisão?

Nó na garganta. Não, meu pai não estava preparado para lidar com tamanha exposição. Aquela pergunta permaneceu na minha cabeça. Aquele questionamento me fez assumir a coragem de atravessar o país. Voltei para o meu interior com um propósito: Eu precisava ter uma conversa com meu pai. Uma conversa de homem pra homem. Preparei um roteiro. Os pontos que eu queria esclarecer. Foi em uma noite de segunda. Entrei no seu quarto. Ele estava deitado na rede assistindo “Amor à vida”, novela que retratava os conflitos de César com a orientação sexual do seu filho Félix.

Com o coração quase saindo pela boca, pedi para ele baixar o volume. “Pai, você sabe que existe um muro invisível entre nós. Eu estou aqui para derrubar esse muro. Para que a gente possa estreitar nossa relação. Eu sei que no fundo você já sente o que tenho pra falar. Sim,eu sou gay. E sei que você pode questionar as razões. Mas quero que entenda o quanto isso é natural. Não quero que você se culpe. Também não quero que você culpe minha mãe. Ser quem eu sou não tem nada a ver com a criação. Sei que vocês ficam desorientados ao ver esse mundo preconceituoso que não prepara pessoas para o convívio com a diferença. Mas acredito que Deus me permitiu ser o seu filho para ensinar o senhor a se tornar um ser humano melhor. Você é meu pai. O primeiro e último homem da minha vida. E eu quero te abraçar com a consciência de que você sabe exatamente quem eu sou.”

Meu pai permaneceu calado. Deitado na rede. Deixei-o sozinho no quarto para que pudesse processar tudo o que foi dito. Respirei fundo. Senti uma mudança no ar. Uma sensação de leveza que a gente vive quando sai de dentro da escuridão do armário. A partir daquele instante eu poderia “respirar o amor, aspirando liberdade.”

Meu pai permaneceu monossilábico. Como sempre foi. Um homem de poucas palavras. O que eu já esperava. Eu sentia que meu pai não iria mudar. Eu me preparei para lidar com o seu silêncio.

Hoje eu olho para trás para compreender o propósito dessa experiência. Eu sinto que o Big Brother foi uma ponte de aproximação com meu pai.

Hoje eu sinto vontade de encontrar o Boninho para dizer: “Obrigado pela pergunta sensata que um dia você me fez. Realmente eu não estava preparado para enfrentar a exposição do programa. O teu questionamento me provocou para buscar o maior prêmio que eu poderia conquistar nessa vida: o abraço do meu pai. Nenhum milhão seria capaz de pagar o que um dia meu pai me disse: ‘Se Deus me pedisse para escolher um filho, eu escolheria você. Exatamente do jeito que você é.”



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Escritor, Professor e Storyteller. Compartilho histórias guardadas nas gavetas do meu armário.

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