Imagem de capa: Versta, Shutterstock
Ele me disse que nunca me daria um livro, porque não queria ser mais um na estante. Mas prefere pegar os meus e nunca devolver. Estou na cômoda dele, do lado de fora e do lado de dentro. Um Guimarães Rosa, um Fernando Sabino e uma calcinha. Acho que é uma das formas que aprendemos cotidianar nossa presença. Primeiro, foi minha coberta que usamos como conforto aos nossos corpos acampando. Chegamos de viagem e a coberta não chegou lá em casa até hoje. Insinuei pegar de volta, ele alegou que seria como retirar a embaixada do seu país, crise amorosa diplomática. Recuei.
Depois foram sendo acrescentadas coisinhas que se esquecem sempre um na casa do outro, segundo ele, só para justificar mais presença. Não sei mais ir embora. Não sei mais onde é ir embora, onde é ficar. Perdi a referência de onde é minha casa, e agora minha mochila está sempre pronta. Resolvi chamar o peito dele de lar. Os dois com ascendente em sagitário, acho que teremos sempre uma mochila viajante, para irmos onde quisermos. Os cotovelos se esbarram como se não houvesse espaço suficiente no sofá. Como se não houvesse espaço suficiente na sala. Já tenho chinelos gastos à porta, uma chave nova para um chaveiro velho e faço xixi com a porta aberta.
Lembro ainda que foi com assombro que recebi o moço com a alma e a anca lavada. Não sabia nada de permanência. Não sabia nada da impermanência de permanecer. Tive medo. Ele nunca quis ser lugar comum. Nunca me deu um livro. Entrei na rotatória e segui à esquerda.
A casa estava arrumada.