O que é viver? Em 1993, Sem Medo de Viver (Fearless) estreou nos cinemas dialogando com essa possibilidade. Indo na contramão do provérbio “para morrer basta estar vivo”, o filme protagonizado por Jeff Bridges, corrompe essas barreiras que, por vezes, nós imaginamos estarmos enclausurados.
Na trama, Bridges vive o arquiteto Max Klein, um dos poucos sobreviventes de um trágico acidente aéreo. Mas Klein é diferente. O acidente transforma-o. No lugar do medo típico, a personagem atravessa a linha tênue mais desafiadora – a coragem de colocar-se acima do destino. Mas a mudança não ocorre por um senso de divindade. Klein simplesmente desperta para um único objetivo que é o de viver plenamente. Saborear cada experiência de forma única e sublime. Sem ressalvas. Sem privações. Acontece que, a metamorfose gera conflitos com a sua esposa e filho. Eles não entendem. Ninguém entende. Tentando ajudar, um psicólogo (John Torturo), o coloca em contato com outra sobrevivente que não enxerga a fatalidade sob o mesmo olhar. Carla Rodrigo (Rosie Perez), uma mãe acometida pela perda do filho na queda do avião. E nessa troca absurda à primeira vista, nasce uma cumplicidade além dos conhecimentos e sentimentos dos familiares de ambos e até mesmo do próprio psicólogo.
A direção ficou por conta do denso Peter Weir, cineasta sensível nos aspectos direcionais administrados para os seus atores. O roteiro de Rafael Yglesias casa perfeitamente aos sentidos exacerbados nos diálogos pulsantes e os belíssimos planos conduzidos por Weir. Por si só, Sem Medo de Viver carrega uma condição daquilo que poderíamos chamar de uma aventura sobre a vida. É também sobre escolhas. O debate e a premissa, aparentemente espiritualista e filosófica, certamente não seria um mal veredicto se cada passagem transcorrida na produção também não agregasse um viés de autoconhecimento e assertividade. É a mais pura demonstração de resiliência e capacidade de nós, enquanto seres humanos, de realmente vivermos fora do manto mundano e rotineiro com o qual somos apresentados desde o nosso nascimento.
Absolutamente coeso e emocional, Sem Medo de Viver é um deleite visual e afetivo dos mais sinceros. Demanda, talvez, uma certa abertura de quem assiste para poder imergir na poesia e nos diferentes aspectos disseminados. Mas não há restrição alguma ao coração. Faz bem para todos os desígnios imaginados dos quais sejamos apreciadores ou praticantes, diga-se. Uma obra-prima pouco reconhecida e conhecida por grande parte do público, infelizmente.