Ele que não faz perguntas, sob uma lua bonita aprendeu um pouco a ouvir. Ela não entende que ele entende muito de poesia. Ela queria que tudo fosse mais simples. Que não doesse tanto nele. E que ele fosse mais leve. Que mania tinha esse menino de querer carregar o mundo nas mãos e na força de sua escrita recente. Ele era de escorpião e escrevia como quem via tudo com uma clareza velada. Ela não gostava porque ele falava palavrão e um pouco de sacanagem. Ela só gosta do poético. Do lirismo e de tudo que é metafórico. Não se deixa levar pela realidade das palavras dele porque acabam por doer demais nela. Mas ele a tem transformado. Tem trazido pra perto os sacos de lixo que ela já tinha colocado pra fora. Tem mostrado outdoors que já foram cobertos. Tem puxado-a ela pela mão a fim de dar-lhe um beijo roubado daqueles, que eu perco o ar só de pensar. Ele trouxe o rebuliço de volta. O aperto no coração e o arrepio das palavras enfim escritas. O movimento que faltava para seus versos antes esquecidos. É bonito de se ver o jeito que ela gosta desse menino sem saber o porquê. E é uma graça perceber os novos movimentos que ela acarreta no coração dele. Um exerce sobre o outro uma magia distante, que de tão esquecida parece que nunca foi vivida. Ela que anda numa fase boa, parece que nunca sofreu na vida. Já ele parece ter como passatempo preferido duas sofridas divagações de estimação. Ela não tá acostumada com a juventude velha dele. Estranha no começo. Questiona até quando isso dura. Mas ele prossegue tranquilo e desenganado a falar sobre a prosperidade da vida. Ao lado do banco verde da praça, um casal se diverte jogando comida aos gansos. Ela percebe os olhos marejados dele e acha lindo. Ele tem vontade de num abraço encerrar toda conversa. Ao fundo, alguns coqueiros balançam felizes. O tempo para por um instante. É bonito de se ver um encontro assim.
Crônica do livro “As Maravilhas do País de Alice”, Scortecci Editora, São Paulo, 2008.