A dor nos iguala. A compaixão nos humaniza. Há ocasiões em que a protagonista da nossa vida é aquela dorzinha sem vergonha, sabe? Aquela que todo mundo já sentiu. Todo mundo mesmo.
A diferença é que alguns estabelecem relações afetivas com ela. Outros, talvez menos sensíveis e quem sabe, mais espertos, mandam a desavergonhada ir arranjar o que fazer em outra parte. Recebem-na, conversam com ela e, terminadas as formalidades mandam-na passear. E ela vai, pode acreditar!
A dor não tem medo nenhum de ser descartada. A gente é que, estranhamente, parece ter algum receio de libertá-la. Por alguma misteriosa razão, há quem se afeiçoe à dor. Há quem acredite que falar sobre ela, recordá-la, reciclá-la, é algo natural e até necessário. Como se os momentos de “não doer” só fizessem sentido e tivessem valor, quando comparados e apoiados em alguma experiência que fez sofrer.
A dor física tem uma enorme importância para a nossa sobrevivência e reconhecimento das nossas limitações orgânicas. Se o corpo dói, é porque alguma coisa não vai bem. Há algo errado. Forçamos demais alguma musculatura. Um bichinho traiçoeiro nos invadiu o organismo e nos fez adoecer. Ferimo-nos. Essa dor é palpável. A maioria de nós, age instintivamente em busca de eliminá-la. Quem tem oportunidade e, ou, juízo procura um médico. Os mais afoitos, tomam um analgésico. Outros, mais resistentes, passam dias suportando a intrusa, até tomar uma providência. Mas no fim, todos, de uma forma ou de outra, reagem a fim de buscar alívio.
Já a dor emocional… essa é desprovida de obviedade, é sorrateira, é sedutora. Parece cheia de artimanhas a nos envolver em seus emaranhados braços. É possível que nos sintamos acolhidos ali, há um conforto, uma familiaridade, uma humanidade na dor.
É verdade que algumas vezes, não há jeito de não doer. Há perdas que são irreparáveis. Há abandonos inexplicáveis. Há maldades imperdoáveis. Há situações inimagináveis. Sim, é verdade que às vezes não há jeito de não doer.
No entanto, assim como as alegrias, essas criaturinhas travessas e voláteis, a dor, tão mais sábia e soturna, também ela passa, ou pode passar. Tudo depende do quanto formos generosos acerca do nosso direito de dizer adeus, ainda que não seja um adeus definitivo. Tudo depende da nossa disposição em deixá-la ir. Porque é verdade o que se diz por aí: não há dor que dure para sempre!
Sendo assim, paremos de tratar esse monstrinho disfarçado de bichinho encantador como se ele pudesse ser domesticado. Não pode. A dor é selvagem, livre, indócil.
Mas, apesar de todo esse poder, conferido e exercido, a dor é apenas uma parte, não é o todo. O todo é uma mistura deliciosa dessa mesma dor que se dilui nas felicidades rasas e fundas, nos prazeres efêmeros e duradouros, nos sustos benfazejos das surpresas tolas e corriqueiras. O todo é a nossa vida, a nossa aventura pessoal nesse planeta. E isso é muito maior que todas as experiências que nos fazem doer. Que sorte a nossa, se além de aprendermos a lidar com a nossa dor, formos capazes de ajudar o outro a lidar com a que dói nele!
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