O amor, esse estranho. Abre-se uma gaveta e lá está ele. Arruma-se um armário, ele salta. O amor é uma patologia silenciosa que aparece sem avisar independente dos seus planos. A moça que se preparou pra viajar livre, leve e solta, de repente se vê entre laços e amarras de uma paixão fulminante e fora de hora. O príncipe, desiludido e banido de seu castelo por sua princesa burra e ingrata, jamais imaginaria ser tomado por sintomas imprecisos e brilhantes como os de um amor inesperado mais uma vez. O amor é aquele brinco antigo e valioso que você encontra por acaso debaixo da almofada do sofá da sala. Como te doía pensar que você o havia perdido por descuido. Como te faz bem saber que ele está de volta agora. Porque o amor é uma calda de chocolate quente e pastosa que dá sabor e textura a essa massa de sorvete sem graça que pode se tornar a nossa vida. É aquela torta de maçã inesquecível que valeu o esforço da viagem. Esteja entregue aos acasos do amor. Se deixe levar por seus desencontros e sabores. Porque é bem provável que ele chegue atrasado ou até não venha no dia marcado, fazendo você esperar até depois da hora. E você vai duvidar. Você vai se aborrecer. Reclamar. Vai achar que isso não é mais pra você e que tudo está muito bom do jeito que está. Mas o amor é o amor e quando ele chega, muda tudo de lugar. E muda tão em definitivo, que um belo dia você nem vai lembrar como eram todas as coisas antes dele chegar.
Então permita.
Pressinta.
Espere.
Então prossiga.
Admita.
Acelere.
Porque o amor, esse cometa, não se demora.
Porque o amor, essa doce chaga, não se cura.
E porque o amor, esse escorpião, não envenena.
Só amortece e alivia.
Crônica do livro “As Maravilhas do País de Alice”, Scortecci Editora, São Paulo, 2008.