Por Mariana Ribeiro
Para simplificar as escolhas que se fazem sobre a transitoriedade de tudo na vida, há quem escolhe fugir e quem escolhe ficar, há aqueles que se preocupam demais e aqueles se preocupam de menos, uns que vivem na ilusão de controlar tudo ao redor e outros que vivem como se fossem eternos.
Nenhum dos extremos se prova bom negócio afinal.
Tirar proveito da mortalidade e da frágil condição humana é um trabalho de delicadeza e não é um simples clichê de “viva cada dia como se fosse o último”, que na prática já se prova perdido.
“Sobre a Transitoriedade” é um ensaio escrito por Freud em 1915, demonstra as habilidades literárias do criador da Psicanálise e traz uma brilhante reflexão sobre o valor da escassez do tempo, das coisas, pessoas e situações que se tornam preciosas para nós por seu caráter finito.
O ensaio teve forte influência do clima de guerra, a primeira guerra então assolando a Europa e castigando a todos com incertezas, e claro, um ambiente perfeito para se discutir transitoriedade, já que na guerra nada é certo, tudo e todos pertencem à guerra, tudo espera pela guerra e pode não estar aqui amanhã.
E ainda que não em guerra, precisamos saber tirar o melhor da transitoriedade, uma vez que ela nos é intrínseca.
Pode-se dizer que Freud era quem mais entendia do assunto, era judeu, viveu entre guerras e morreu de câncer. Teve as experiências mais vívidas com a efemeridade da condição humana. Por seus escritos vemos que Freud talvez tenha sempre enfrentado bem o tema, por vezes foi positivo, irônico e desiludido sobre o assunto, ou seja, manteve os pés no chão com certo charme.
Durante a 2ª guerra, por exemplo, quando a Alemanha nazista queimou seus livros junto com os de outros pensadores da cultura judaica, Freud declarou:
“A humanidade progride. Hoje somente queimam meus livros; séculos atrás teriam queimado a mim.”
E apesar de que a relevância de seu trabalho o tenha eternizado, Freud não mantinha ilusões a esse respeito, ao contrário, suas preocupações eram bem mais práticas. Em uma rara entrevista concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926, isso fica muito claro:
George Sylvester Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não e certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.
Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.
George Sylvester Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?
Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.
George Sylvester Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?
Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção?
E no ensaio “Sobre a Transitoriedade” Freud narra sua caminhada com um amigo poeta e a discussão entre eles. O poeta pensa que a beleza das coisas perde valor já que é transitória, mas Freud tenta persuadi-lo do contrário, sem sucesso. Conclui então, que o poeta estaria sob a influência de um processo de luto.
A superação da perda, a rebelião psíquica contra o luto que leva o prazer pela apreciação do belo, antecipando o luto pelo seu declínio. Porque o luto para o leigo é óbvio, como ele diz, mas para o psicólogo é um enigma não esclarecido.
Pra clarear um pouco mais, Freud exemplifica com a guerra, ele diz que ela fortaleceu o amor de muitos pelo que lhes havia restado, mas que outros, em seu processo de luto, resolveram-se por renunciar ao prazer, pelo fato de o objeto valioso não ter se mostrado durável. Uma forma de proteção. Contudo lembra que o processo de luto passa.
A solução segundo ele, seria exatamente a escolha dos primeiros, que nada mais é, que abrir mão daquilo que se foi e construir novos amores, para substituir os que se foram. Não há outra maneira saudável.
A questão é que não se pode viver no passado, nem no futuro, nossa libido precisa constantemente de objetos internalizados aos quais se apegar, agora. Viver na ilusão de controlar tudo ao redor ou viver sem apegos e preocupações, como se fôssemos eternos, são extremos, o que Freud nos ensina é a praticar, são as ações que são possíveis com o que nos resta, ações de construção de coisas novas, fazer o que se pode com o agora.
Muitas vezes as perdas são mais difíceis por que nos eximimos do agora, vivendo em um outro plano, nos eximimos das pessoas, das coisas simples, e de repente elas se vão. Então segue-se um processo de luto que vem a ser muito duro e carregado de culpa. Talvez entender a transitoriedade de tudo o que se tem nos ajude a dar valor e serene nossas perdas, já que estaremos conscientes de termos vivido o que se foi ou quem se foi, da melhor forma possível.
Fonte: Psiconlinews