Solidão não é estar sozinho, mas é não conseguir ficar sozinho, não se suportar sozinho.
Assim como a solidão não tem conexão com o deserto e o isolamento. Pode acontecer casado, acompanhado, cheio de gente ao lado.
Solidão é uma insuficiência que cresce: é a infinita capacidade de piorar o mundo para melhorar as reclamações.
Solidão é não encontrar ânimo tanto para acordar quanto para dormir, é quando o desespero desemboca em angústia.
Solidão é guerrear com a imaginação, lutar com a memória, combater os pensamentos. É se posicionar contra o perdão.
Solidão é uma saudade de si.
Solidão é rir sem vontade mais do que ter vontade de chorar.
Solidão é parar de achar graça quando as coisas dão errado.
Solidão é não ser compreendido. É explicar o que machucou e não receber o curativo da atenção.
Solidão é ser desacreditado sempre que se conta a verdade. É revelar uma urgência e ser menosprezado.
É expor uma necessidade e não ser levado a sério.
Solidão é a incomunicabilidade. É conviver com alguém e não ter como falar o que incomoda, é perder o ritmo da confissão, é não saber mais como começar uma conversa.
Solidão é ser assaltado várias vezes pela mesma tristeza. É não resolver nunca o problema, é aceitar a falta de solução.
Solidão é jamais encerrar as mágoas, adiar a despedida para fingir que a relação não acabou.
Solidão é não terminar mais nenhum livro e ouvir uma única música ininterruptamente.
Solidão é forjar respostas para não enfrentar as perguntas.
Solidão é chegar muito atrasado na emoção. É um desabafo feito exclusivamente de soluços.
Solidão é ir substituindo a vida por mentiras, é ir substituindo o compromisso pelas desculpas.
Solidão é assumir a culpa por aquilo que não aconteceu e, ironicamente, fugir da responsabilidade por tudo aquilo que aconteceu.
Solidão é ser desajeitado para amar e ser incompetente para odiar.
Solidão é quando o silêncio vira fardo.
Solidão não é o vazio, é ocupar o coração pela pessoa errada.
Solidão é manter um quarto infantil para um filho adulto.
Solidão é lembrar o aniversário um dia depois.
Solidão é um asilo para crianças, um orfanato para velhos.
Solidão é desinteressar-se pelas palavras e, em seguida, desinteressar-se pelo corpo.
Solidão não é ausência de sexo, é ausência de prazer.
Solidão é extraviar o contato com a família e não ter a humildade de reatar.
Solidão é desaparecer para os amigos durante a alegria e depois ver os amigos desaparecendo nos momentos da tristeza.
Solidão é pagar mesada aos defeitos e salário para as dores e não sobrar nada para agradecer aos céus.
Solidão é enjoar de tudo o que antes lhe inspirava, é quando a felicidade transforma-se em tédio.
Solidão é rastejar com asas, não dispor da concentração mínima para recuperar o que era importante.
Solidão é não ser mais solidário consigo.
Solidão é recordar os bons momentos somente para se torturar.
Solidão é inventar doenças e morrer de desgosto pelo excesso de saúde.
Solidão é se sentir só ainda desejando estar só.
Publicado originalmente no Zero Hora, Caderno Donna – via Carpinejar