Eu não mudei: eu não sou como você esperava

Por Valéria Amado

Eu não mudei, na verdade você nunca me conheceu. Você deu muitas coisas por esquecidas, criou um amor à sua maneira onde eu tive que me adaptar, como se adaptam as flores às frestas das rochas. Não, não mudei, e de fato, me alegro de não ser como você esperava: frágil, sem luz própria e obediente…

É possível que essa imagem seja conhecida para você. Os especialistas em relacionamentos afetivos afirmam que a maioria das pessoas dispõe de uma espécie de “libretto ideal” sobre o que deveria ser o amor. Tanto é assim que inclusive Arthur C. Clark, cientista e famoso autor de livros de ficção-científica, defendeu que grande parte das pessoas se apaixonam por indivíduos que não existem. São apenas telas onde projetam sonhos, ilusões e, principalmente, necessidades próprias.

Algo para ter em mente sobre esse tipo de relacionamento baseado na desigualdade e em falsas atribuições é que às vezes existe outro mecanismo baseado na projeção psicológica. “Eu faço você acreditar que é fraca para dessa maneira controlá-la e não enfrentar a minha baixa autoestima e a minha incapacidade de estabelecer relacionamentos saudáveis de igual para igual”.

Sem dúvida esse é um tema complexo e interessante que convidamos você a aprofundar conosco.

Eu não mudei, na verdade não fui como você esperava

Erich Fromm afirmava que o amor maduro é aquele onde existe uma união na qual se preserva a própria integridade e a individualidade de cada membro. Essa ideia, queiramos ou não, não é cumprida sempre. De fato, é curioso ver como apesar de muitas pessoas terem o desejo de viver a dois, elas o fazem antes de conhecer plenamente a si mesmos. Sem ter descoberto suas fronteiras emocionais, sem ter identificado seus medos e vencido o medo da solidão.

Talvez por isso, em algumas ocasiões, ao invés de “companheiro de vida” desejam possuir simples “cativos”, companheiros que sejam as rosas de seus espinhos, a almofada de seus vazios e o fôlego de seus desconsolos. Uma situação onde não importa o que o ser amado sente ou pensa, porque o que impera é esse equilíbrio infantil e tirânico onde seja rapidamente satisfeito o que se necessita.

Nenhum vínculo pode ser duradouro com essa desigualdade e essa tentativa de alinhamento. As projeções que os outros querem induzir em nós respondem, sem dúvida, às carências de quem deseja nos encaixar em seu padrão, em seu próprio molde do que deve ser o amor perfeito.

No entanto, nenhum amor é perfeito, o amor real é aquele que “é” e “deixa ser”, que não procura mudar porque nos ama por tudo aquilo que somos, porque reflete no espelho, pelo que diz o pensamento e por essa cumplicidade autêntica onde sua partitura e a minha formam a melhor das melodias.

O desamor e os autênticos “casais de viagem”

O amor não deveria mudar a gente, sua finalidade deve ser sempre a de permitir que possamos crescer para chegar à outra etapa vital de grande equilíbrio pessoal. Contudo, diante da clássica pergunta de se as pessoas podem mudar em determinado momento, a resposta é sim, e mais ainda nesses contextos afetivos com componentes traumáticos.

Fatores como os maus-tratos físicos ou emocionais, a chantagem, a manipulação ou, inclusive, o desengano ou o próprio desamor, podem fazer com que se “apaguem” muitas das nossas ilusões, que se derrubem valores que dávamos por certos ou que percamos essas forças da nossa personalidade, que de algum modo nos obriga a deixar pra trás o território vital em que estávamos há anos instalados.

Não é adequado. Devemos lutar sempre por nossa identidade, pela fundação dos nossos valores e da bandeira da autoestima que é a pátria das nossas essências e forças. O amor é “ser” e “deixar ser”, respeitar individualidades, como dizia Fromm, e por isso, é necessário escolher “sabiamente” esses companheiros de viagem, tendo em mente essas dimensões tão básicas:

– Afinidade emocional. Sabemos que não escolhemos sempre o amor, ele chega na maioria das vezes sem esperar. Por isso, atende a linguagem das emoções e descobre que se divide uma mesma sintonia baseada na reciprocidade e empatia.

– Compatibilidade intelectual. Tem a ver antes de tudo com a cumplicidade e amizade, com gostar de dividir espaços e interesses. Aproveitar essas horas de longas conversas onde tudo flui e os olhares sorriem.

– A compatibilidade física também é essencial. É essa a área mais pura e instintiva baseada no desejo, na sexualidade e nessa magia que acontece debaixo das cobertas.

– A compatibilidade espiritual está relacionada com nossos valores, com nossos sonhos, aspirações e com essa forma única e excepcional de interpretar o mundo. É uma dimensão mais íntima, onde podemos descobrir outro ser que nos entende e que se encaixa em nossos projetos vitais para se converter no melhor companheiro ou companheira de viagem. Um amigo do coração.

via A Mente é Maravilhosa – um ótimo site e com excelentes artigos.



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Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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