Por Mário Marinato – via Papo de Homem
Muitas pessoas acreditam no poder das palavras e dizem que elas conseguem transformar a realidade. Religiões têm muito disso, livros de autoajuda também, elevando algumas palavras ao pedestal de redentoras e rebaixando outras ao fundo do poço. A cultura também está cheia delas.
Mesmo sendo uma pessoa que ignora este papel místico dado às palavras, vejo que a forma de falarmos pode revelar muito sobre como a gente vive nossas vidas. E que, com a devida atenção, podemos identificar formas sutis de autossabotagem e adotar pequenas mudanças na nossa forma de pensar que podem gerar ótimos benefícios pro nosso bem estar.
É para compartilhar uma dessas minhas descobertas que escrevo este texto.
Como muita gente à minha volta, sentia-me frequentemente irritado, aborrecido, ou chateado com alguma coisa. Claro que sempre havia um culpado: um motorista que parava sobre a faixa de pedestres, alguém que tentava entrar no elevador antes dos outros saírem, a caixa que faz a fila do mercado andar devagar, a menina que anda de cabeça baixa olhando para o celular.
E já que havia um culpado, eu tinha em mãos a desculpa para poder demonstrar esses sentimentos ruins da maneira que me parecesse melhor. Normalmente, isso significava fazer coisas agressivas, que traziam arrependimentos logo em seguida.
Até que parei para prestar atenção na maneira como falava dessas coisas e vi a quantidade de vezes em que eu dizia “eu me irrito,” “eu me aborreço,” “eu me chateio.”
Quando o cachorro do vizinho começava a latir, ficava irritado porque eu me irritava. Eu, não era culpa do cachorro. Ele estava lá na dele. Eu que estava ali, transformando o latido numa coisa feia e suja que só servia pra me desestabilizar.
Penso que é quase como ter alergia a um alimento qualquer. O camarão em si não causa alergia, o organismo da pessoa é que não sabe lidar com seus componentes e reage mal. A vantagem é que aqui o tratamento é mais simples.
A solução foi mudar o jeito de falar? Botar a culpa em outro objeto e dizer que ele é que me chateia?
Não. A solução foi admitir que a existência desses estados emocionais eram minha própria responsabilidade, e que podia muito bem aprender a parar de fazer isso.
Mas começar a enxergar esta forma de pensar foi apenas a definição de um objetivo. O trabalho pesado de chegar até lá se mostrou uma tarefa lenta e que exige de mim uma boa dose de disposição. Quando essa dose está baixa, a rotina toma conta e eu me abalo pelos motivos mais bestas, como quando um camarada leu um texto meu ainda em andamento e fez alguns comentários apontando pontos onde podia melhorar e eu passei dez minutos sem vontade de publicá-lo porque eu tinha me decepcionado.
Uma coisa que me ajuda muito foi ter aprendido que as nossas emoções podem ser como objetos que a gente pega e analisa, olhando de diversos ângulos, virando de cabeça pra baixo, descobrindo de onde veio. Essa autoanálise de cabeça fria e com boa vontade muitas vezes me ajuda a ver que essas reações são desnecessárias.
Não me irritar abre espaço para maneiras diferentes de lidar com as situações tensas. Sem estar intoxicado por sensações nocivas, posso pensar com mais clareza sobre a situação. Às vezes descubro que as coisas não eram como pensava que fossem, e às vezes aprendo jeitos educados de resolver um conflito. E outras vezes percebo que simplesmente posso deixar pra lá.
Um exemplo? Tenho o hábito de ser pontual, e com frequência me aborreço quando tenho que esperar pelas outras pessoas. Quando elas chegam, volta e meia já estou num mal humor que estraga a minha diversão na primeira meia hora do encontro. Com a ajuda dessa forma de pensar, tenho sido capaz de superar isso e agora aproveito o tempo de espera lembrando de coisas boas e divertidas, que me ajudam a manter a mente descontraída.
Outra coisa foi perceber que isso não é um hábito ruim, não é uma agressão à minha integridade moral: quando eu abro mão de tentar defender essa coisa abstrata que eu às vezes chamo pomposamente de “meu eu verdadeiro”, neste momento eu consigo ficar menos vulnerável às influências externas.
Isso é ótimo para lidar com críticas, por exemplo. Normalmente, quando alguém fazia algum juízo de mim, logo me ofendia e ficava remoendo a crítica, ruminando aquele sentimento ruim por horas. A pessoa já estava lá no bar da esquina tomando uma cerveja e eu ali, naquela de “como ela pode falar isso de mim?”
Hoje, consigo ver a crítica de uma maneira mais simpática: é a opinião de outra pessoa, e só. Sem a raiva em ebulição, consigo parar para olhar a crítica e tentar entendê-la. De onde ela vem? Será que posso tirar algum proveito? Fico muito mais sereno e tranquilo dessa forma.
Isso tudo vai acontecendo bem devagar – é um trabalho lento, de formiguinha. Com o passar do tempo é que a gente vai vendo que as mudanças estão acontecendo.
Pode até parecer que isso é ingenuidade, quase como um convite à submissão, ou uma sugestão para deixar que as coisas erradas passem impunes. Mas não. É um convite à reflexão, para pararmos por um instante para prestar atenção no nosso estado de espírito.
As coisas mais absurdas podem acontecer do lado de fora, mas como aquilo me afeta, se aquilo me tira do eixo ou não, é, em partes, responsabilidade minha.
Continuo me irritando e me abalando com muitas coisas. Mas, no dia a dia, aos poucos, tenho conseguido agir melhor. A vida já está aí o tempo todo martelando. E eu não tô a fim de jogar contra mim.
Me identifiquei totalmente, tenho sentido tudo com grande aborrecimento e muita raiva.