Amores malucos

Por Daniela Vaccari

A gente acaba colocando esse monte de coisa no papel porque talvez esqueça de tudo o que queria dizer se estivesse olhando nos olhos. Talvez seja mais fácil falar um monte de coisa assim, na velocidade em que os dedos conseguem escrever. Mais fácil, mas também nos dá a chance de dizer coisas sem pensar muito. E, de vez em quando, a gente tem muita, mas muita vontade mesmo, de dizer tudo aquilo que não quer dizer.

Às vezes a gente cria coragem e diz, na cara da pessoa, tudo aquilo que tá engasgado. Mas isso não significa que é tudo verdade. A gente pega a pessoa de surpresa, fala e fala em parar. Do outro lado, dá pra ouvir um coração disparando dentro do peito, olhos que ficam parados no horizonte e que logo começam a ficar mais reluzentes com a luz sendo refletida na lágrima que está prestes a se formar.

E, com aquelas duas toneladas que a você tira das costas, você sai com aquele ar superior. Para as pessoas mais malvadas, rola até um sorrisinho. Quem vê de fora, pensa que a pessoa está se sentindo muito feliz. É um sorriso lacrado, que ninguém consegue tirar daquele rosto por longos instantes. Mas aquele peso que saiu das costas dá meia volta e se instala na sua garganta. Vai descendo para o peito e ali ele fica. Ninguém fica feliz em dizer o que não quer. Mas sempre cai na tentação de fazer, mesmo sabendo que há sempre outra opção. Então as duas pessoas, uma de cada lado, partilham do mesmo sofrimento. Mas parece que em quem faz sofrer dói um pouco mais. A dor de um é aqueles cortes fundos, que sangram, que normalmente ocorrem durante o descuido com uma faca afiada. Mas a dor do outro, desse que premeditadamente ensaiou suas palavras pra fazer o outro sofrer, essa dor é igual a uma queimadura de sol ou um arranhão, que não sangra na hora, mas que te tira um pedaço da pele. Enquanto um estanca o sangue e coloca uma atadura, o outro fica com o arranhão ardendo, o dia inteiro. E a água, que purifica, ao invés de aliviar essa dor, ela só faz arder mais. Justamente pra nos lembrar que certas atitudes não dá pra purificar.

Às vezes a gente faz coisas assim por medo do que pode acontecer. Por medo do futuro e por medo de todas as outras coisas da vida que envolvem mais de uma pessoa. Sabe aquela história de ferir antes de sair ferido? É mais ou menos por aí. Só que o que acontece é que a gente não consegue prever o futuro. Salvo aquelas situações em que a gente sente que há alguma coisa que não está certa. E confiar nos instintos é algo primordial. Algo que vai bem além daquilo que a gente acha que é razão. Por isso, gente sempre deve saber a hora de tirar as tropas do campo de batalha. Se a pessoa não te der bons motivos para ficar, siga o seu rumo, mesmo que você não saiba onde está indo. Não fique esperando por um coração que fica perambulando por aí, desfrutando de outros amores, e que fica classificando tudo como “um momento para ser curtido”. Aquelas borboletinhas na barriga são legais até certo ponto. Se o seu coração nunca se acalma, se ele acorda todos os dias de sobressalto, alguma coisa está errada. Amar também é ter um pouquinho de certeza das coisas. Mesmo que essa certeza mude a cada instante. Às vezes parece ser tudo tão claro, tão óbvio. Mas uma coisa é uma situação certa, um momento certo. Outra coisa bem diferente é a cabeça das pessoas. E tem muita gente meio maluca por aí. E eu não estou me referindo de forma chula às pessoas que sofrem de alguma psicopatologia. Peraí, vou explicar.

Gente maluca tem um estilo peculiar de viver. Elas esquecem dos outros e delas mesmas às vezes, mas não é por mal. Elas vivem em umas cinco realidades paralelas ao mesmo tempo e acabam misturando as histórias de cada uma dessas realidades. Resumindo, gente maluca só faz bagunça. O que acontece é que essa gente maluca espalhada pelo mundo também se apaixona, também ama. De um jeito meio torto, mas ama. Às vezes elas acabam bagunçando o coração e a vida de outras pessoas que habitam nessas infinitas realidades paralelas que se desenvolvem, entrelaçadas, dentro daquela mente meio “fora da casinha”. E um dos mistérios da vida é que a gente nunca sabe quando tem uma pessoa maluca do nosso lado. Às vezes a gente não se dá conta que o maluco da história pode ser a gente.

Pior ainda é quando dois malucos se encontram. Aí você olha nos olhos da pessoa, e você sabe que conhece aqueles olhos de algum lugar. Parece coisa de outra vida, de uma realidade paralela. Aquele olhar que parece que vai atravessar a cabeça da gente, mas acaba parando antes de chegar do outro lado e fica por ali mesmo, gravado nos pensamentos que insistem em aparecer nas horas que não deveriam. Aqueles olhos que insistem em antecipar uma história que nem deveria acontecer, simplesmente porque, apesar de tão certo, aquilo tudo parece tão errado. Na verdade, ninguém sabe. Mas a gente costuma escolher uma resposta e tenta acreditar naquilo com todas as nossas forças, para que se torne realidade. Às vezes a gente quer que tudo esteja errado, só pra ter uma desculpa pra fugir e não precisar enfrentar um abismo escuro que te leva pra algum lugar que você nunca ouviu falar.

Mas é tudo tão confuso, porque mesmo que você se sinta à vontade do lado da pessoa, você não se sente seguro estando com ela. Você tem coragem de agir como nunca faria com outras pessoas, falar verdades que sempre guardou pra si e, ao mesmo tempo, você fica desnorteado quando a pessoa não está perto. Você consegue dar muitas risadas e, no instante seguinte, cair no choro. Não se sabe o que se pode esperar de uma pessoa maluca. Elas mudam constantemente, mais do que um camaleão. E apesar de parecer que elas estão indo de acordo com fluxo de tendências, elas realmente internalizam cada uma dessas mudanças. É de se admirar tamanho desprendimento.

Mas ao mesmo tempo em que elas se adaptam constantemente a si mesmas, deixando pra trás todo e qualquer velho molde, elas também não são tão ligadas assim às pessoas que habitam suas inúmeras realidades. E isso as torna um tanto egoístas. Às vezes elas te ignoram, mas quando elas batem na porta da sua casa, elas te trazem chocolate. Pra falar bem a verdade, ninguém quer viver diante das inseguranças de um amor maluco. Então, por mais que a gente não queira, a gente tem de se despedir dele. Porque muitas vezes o amor maluco fica fugindo o tempo todo da sanidade. E um coração precisa de sanidade, senão ele fica batendo no contratempo. Só que seguir adiante sem olhar pra trás, sem questionar a decisão tomada, é algo muito difícil. Aí a gente abandona um pedacinho da gente simplesmente porque a combinação de inércia e incerteza pode matar muito mais do que um coração fora do ritmo.

via Histeria Coletiva



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Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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