Por Carolina Castello – via Obvious
“Eu sou meu próprio frio que me fecho longe do amor desabitado e líquido, amor em que me amaram, me feriram sete vezes por dia em sete dias de sete vidas de ouro, amor, fonte de eterno frio, minha pena deserta, ao fim de março, amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo, ou se poesia.”
(Carlos Drummond de Andrade)
É incrível como o tecnológico se transformou em essencial nas nossas vidas. Tornou-se possível e necessário fazer quase tudo com um celular atualmente. Desde tarefas rotineiras do trabalho, até mesmo editar um amor. Sentiu que é a hora de se apaixonar? Relaxa, muito fácil, é só procurar um perfil que te agrade no Tinder e viver esse amor inesquecível. Ou talvez, não.
As redes sociais se tornaram também um meio facilitador para viver um amor perfeito. As páginas estão repletas de posts das mais variadas futilidades e clichês. Informações desnecessárias, pedantes e na sua extensa maioria hipócritas, não deixando nada a desejar para as mais cansativas revistas de futilidades. Ou será que uma pessoa acredita mesmo que é fundamental para a vida de outras saberem que ela está com o amorzinho dela, gripada, embaixo do edredon, tomando chá de erva cidreira com gotas de cassis?
Uma chuva de declarações fantasiadas e copiadas de textos prontos. Posta-se com um dedo no facebook e responde com outro a mensagem no whats app daquele affaire que você conversa regularmente. E ainda inventa um desculpa dizendo que ele ou ela pediu para você fazer uma declaração, mas na verdade o relacionamento de vocês está em crise. É o famoso jogo sujo de deixar sempre uma segunda opção no “stand by”.
Pegue uma foto perfeita, copie e cole uma poesia ou música (fica ao gosto de quem estiver preparando) e coloque um coraçãozinho no final. Receita rápida para o “Amor Editado”. Certamente se Drummond ou outros gênios fossem amigos do casal, exigiriam que retirassem a marcação dos poetas. Pois no fundo, quem é amigo de verdade sabe que essa declaração de amor não combina em nada com aquela noitada animada, na qual o amorzinho jurava de pé junto que era solteiro. Pelo contrário, soa ridículo e constrangedor.
Ficamos preguiçosos para o amor, nos tornamos práticos. Todavia, mesmo assim, juramos que estamos vivendo o maior amor do mundo. Algo inventado, editado e moldado para refletir uma imagem bela e perfeita de uma relação que não é real. As pessoas já não sabem sequer conversar. Deixa-se a comida esfriar ou a cerveja esquentar, esperando o garçom para tirar uma foto. E se surgir necessidade de conversar, espere, afinal a foto está carregando. E se depois finalmente o assunto rolar, interrompa imediatamente, pois alguém comentou a foto e você tem que curtir. Imagine então se aquela affaire que estava no “stand by” decide comentar: Lindos, felicidades ao casal! Vixe, aí tem que apagar rapidinho o comentário, senão o status vai mudar para solteiro e acabou-se o maior amor do mundo. Aceita-se uma traição com a resignação de quem tem a preguiça de viver algo melhor. Fecha-se os olhos para não ver uma verdade escancarada.
Aonde está aquele amor único, aquele raio que simplesmente acontece sem que tenhamos que ficar procurando no céu? Está em falta. Amores verdadeiros não precisam ser procurados, é natural, simples assim. Não precisam de retoques, de postagens para encher o ego, de ficar procurando notícias na timeline para se ter assunto. O assunto vem naturalmente, e falta tempo para falar tanta coisa e querer escutar também. Aquela pessoa se torna a mais espetacular do planeta para você. A gargalhada escapa, sem que tenhamos que ficar forçando um sorriso sem mostrar os dentes; é uma química que só encontramos uma única vez na vida.
Talvez os amores atuais ainda estejam correlacionados com o filosófico mito da caverna de Platão. Tudo é inventado e idealizado. Sabe-se que está tudo imperfeito, mas o imperfeito é omitido e não é postado. Preferimos olhar para as sombras na parede (ou nas páginas sociais) a nos virarmos e olharmos para fora, para o real. O amor está ali passando e se você não tiver coragem de pular a fogueira, jamais vai experimentar. Vai viver sempre na sombra, no médio, no morno, na fugaz esperança de que um dia você consiga mudar o outro, para ser aquele amor que você deixou passar.