Ler Dostoiévski é humanizar-se

Por Lilian Lima

Dostoiévski ao que parece, tinha um poder de observação e absorção de outros seres humanos fora do comum. Sim, pois ele criava personagens tão reais que quase podemos vê-los, ouvi-los e tocá-los. Suas mentes são profundas e complexas e Dostoiévski as descrevia de uma forma tão minuciosa que desbancaria o mais capacitado psicólogo.

Mas era sobre a desgraça; a dor da existência que ele escrevia. Seus personagens em sua grande maioria eram bêbados; prostitutas; miseráveis; desvalidos; esquisitões; loucos e criminosos. Pessoas perdidas e desorientadas na vida.

Mas se por um lado Dostoiévski fazia sangrar seus manuscritos com todo caos humano, por outro fazia uma tênue, mas constante luz brilhar no meio das trevas. Fazendo seus personagens dizerem coisas como ‘’A beleza salvará o mundo’’; ‘’Não me ajoelhei diante de ti, mas diante de toda dor humana’’. E ao lermos tais coisas nos ajoelhamos diante de sua escrita, tamanho êxtase ela nos traz.

Sua obra revela os homens e revela o homem atrás do escritor. Um homem por demais humano. Seus livros são como um lamento. Um lamento à condição humana sobre a Terra. Mas incapacitado de ‘salvá-la’, senta-se e chora com ela pois ele próprio se via como parte desta condição.

Dostoiévski teve uma vida um tanto tumultuada. Problemas familiares na infância (com o pai); o exílio à Sibéria na juventude; e sua personalidade sensível e idealista, provavelmente o moldaram ao seu estilo literário. Embora viesse de uma família nobre e tivesse tido uma carreira militar, deixou tudo e optou por viver da escrita. Mas sua vida como escritor não fora fácil. Sofria dos nervos, vivia endividado e acabou por viciar-se em jogos; enquanto escrevia as pressas para conseguir algum dinheiro. Por fim, parece que fez de tudo matéria prima para suas estórias e tornou-se o grande escritor que foi.

E como não lembrar-se também de personagens como Aliócha? Ou Zózima? Personagens singelos e elevados? Não, nem tudo é trevas no coração humano dos personagens de Dostoiévski. Porém, ninguém é bom o suficiente. Mas mesmo nos corações errantes, eis fagulhas de virtudes incrustadas nas sombras.

Com sua morte em 1881 – depois de escrever ‘’Os Irmãos Karamázov’’ -, uma obra que alguns consideram não acabada, pois Dostoievski havia começado um terceiro volume, encerra-se então sua carreira. A obra, aclamada como uma das mais importantes da literatura mundial, e que consagra o amadurecimento literário do autor, ainda hoje tem sua síntese a ecoar no pensamento filosófico: ‘’Se Deus não existe tudo é permitido?’’ Uma pergunta que ultrapassa as limitações do crer ou descrer.

Dostoiévski deixou o mundo com um feito extraordinário. Pois ler Dostoiévski é conhecer a humanidade.

Para ler mais da autora acesse Obvious / Modo Abstrato



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Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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