Dia desses mandei uma mensagem arriadinha para uma amiga, sobre um antigo affaire que havia casado na Tailândia. No outro dia, o comentário dela foi longe de ser uma piada. Lembrou-me de que eu havia me esquecido de seu aniversário, que não havia ligado para o namorado dela, um grande amigo meu, cuja mãe estava doente. Pontuou duramente que enquanto eu perdia meu tempo com o meu passado, ainda que brevemente, eu estava dedicando menos tempo às pessoas que realmente importavam na minha vida, no presente.
Entre todas as incertezas que aquela crítica incendiou, uma certeza permaneceu, a de que sou perita na arte de decepcionar.
Eu sempre representei a decepção de muita gente. Eu falo demais e muito alto, e isso já decepciona uma pá de gente. Tenho uma veia crítica aguçada, que não é a preferida de ninguém. E as minhas escolhas… bem, essas promoveram também uma série de decepções por toda a minha vida. Mas essa é a beleza e risco do livre arbítrio, é impossível agradar todo mundo. Expectativa é tipo, física: dois corpos “não se agradam” do mesmo lugar ao mesmo tempo.
Acho que o maior rompante do que significava decepcionar, eu aprendi aos 18 anos. Eu fui uma grande decepção pro meu pai quando perdi minha virgindade, ainda que o evento fosse previsível. Nunca achei que meu hímen rompido pudesse doer mais alguém do que em mim, mas aparentemente doeu no meu pai. A partir dali eu entendi que as minhas escolhas – ainda que muito minhas, decepcionariam as pessoas que eu amo. Uma decepção tão grande quanto esta, aconteceu muitos anos depois, quando eu, herdeira da empresa familiar, decidi que meu destino profissional era outro. Você não passa uma vida inteira de escolhas, ilesa de decepcionar profundamente alguém que ama.
Fui decepção pros meus irmãos sempre que não quis emprestar meus brinquedos, meu carro, ou meu tempo – e ninguém além deles teve e tem tanto de mim, ironicamente. Eu sou uma decepção para a minha mãe, toda vez que ela furtivamente inspeciona o meu quarto, e encontra a “organização artística” que faço com as minhas roupas em cima da minha cama. Acho que ela se decepciona também toda vez que eu saio sem batom, ou acendo um cigarro. E vou dizer, em menor ou maior escala, não tem nada pior que decepção de mãe.
Eu sou uma definitiva decepção para o padrão de beleza que me impõem, já que eu gosto muito mais de carboidrato do que abdominais.
Eu decepciono a minha família que mora longe, porque eu nunca visito – ainda que eles também nunca apareçam. Sou a decepção das feministas toda vez que beijo um machista, ainda que discorde de quase tudo que sai da boca dele, com exceção de sua língua. Sou a decepção dos vegetarianos pela minha tara por uma costela, e meu tesão por um vazio. Sou decepção dos meus amigos gremistas ou colorados em razão de nunca ter escolhido por nenhum deles (ou qualquer outro time). Sou uma decepção para as minhas amigas sempre que não atendo a um(a)aniversário/casamento/mudança/ expectativa. Ou quando decido falar aquilo que acredito, muito mais do que aquilo que elas querem ouvir.
Sou uma decepção pras minhas parceiras de boteco, toda vez que decido me aquietar. Sou uma decepção eterna para aquele ex-namorado cuja história ficou mal acabada (e ainda promove discussões acaloradas, seguidas de um “vai escrever mediocridades naquele teu ‘bloguezinho’”). Eu sou, inclusive, a decepção de muita leitora que acompanha o blog e que presencialmente, conclui “que eu não sou tão querida assim”. E de fato não sou. Não sou tão pontual, nem tão disposta. Nem tão gentil, nem tão ponderada. Bem, nem sempre. E não tendo a orientação prévia da escala de expectativa de cada uma das minhas intersecções, eu vou seguir sendo, muitas vezes uma decepção.
Isso porque para ser uma decepção, basta ter a característica básica da humanidade. Somada a uma expectativa, essa que sabe como ninguém, ser a mãe da merda quase sempre. Talvez por isso hoje, eu tenha maior tendência a decepcionar do que ser decepcionada. Porque eu já aceitei que todo mundo é humano e sucessível a falhas, e que contexto sempre ajuda a aliviar a frustração. Contexto, ponto de vista, empatia. E também que é muito melhor criar codornas, do que expectativas. Pessoas em que depositamos/apoiamos nossos planos e sonhos não são estruturas de ferro e concreto, são apenas pessoas, de carne e osso.
Fato é que a gente passa a vida acorrentada às expectativas do outro, o que na maioria das vezes resulta em enormes doses de culpa e rancor. E esses sentimentos são demasiadamente amargos e pesados para ditar regra para as nossas relações.
Bom mesmo é viver a vida acreditando que está fazendo o melhor que se pode, ponderando as expectativas alheiras e sendo tolerante com a nossa humanidade.
A gente cresce decepcionando e sendo decepcionado. E entender o valor deste aprendizado dolorido – é uma arte.
Fim da sessão.
ps: Ei, ex-namorado, escrevi sobre você no meu “bloguezinho”. Pelo menos nisso não te decepcionei ?