Nas minhas mãos: 102 anos de história. Mas isso é apenas uma foto e fotos não guardam memórias e nem mesmo, lembranças. Fotos apenas registram fatos. E o essencial, já disse Antoine de Saint-Exupéry, é invisível aos olhos e o que me é mais caro eu guardo dentro de mim.
Nas minhãs mãos: outras mãos. Com digitais já apagadas pelo tempo, pelo passado, pelo cansaço, por um hoje que se tornou ontem, por um século que se tornou outro.
Nas minhas mãos: as mãos que nos cuidaram, as mãos que nos educaram com o cipó; as mãos que prepararam centenas, milhares de vezes, o melhor almoço do mundo.
Nas minhas mãos: as mãos que me fizeram o chá de flor de mamão. O chá com o pior gosto já provado, mas o chá que me tirou a dor de estômago que nenhum remédio industrial e científico foi capaz de tirar.
Nas minhas mãos: as mãos que criaram 9 filhos. As mãos que cuidaram de tantos e inúmeros netos. As mãos que fragilmente acariciaram os bisnetos. As mãos que viram nascer também o novo mundo…
Nas minhas mãos: há um tesouro, que nos permitiu ter as melhores lembranças da infância e que nos propiciou os melhores sabores: doce de laranja, doce de leite, bolos diversos, biscoitos tantos. Agradou a diversos paladares, deixando em nós saudades e sentimentos profundos.
Nas minhas mãos: mãos que extrapolaram as estatísticas do IBGE, mãos que representaram o êxodo rural, mãos femininas que suportaram quantos baques? Quantas dores? Quantas perdas? Mãos tão fortes e agora também: frágeis.
Nas minhas mãos: mãos que se despediram de pais, irmãos, dois maridos (sendo o primeiro o seu grande amor), de um filho, de tantos outros que lhe eram queridos. Mãos que disseram adeus. Mãos que limparam lágrimas. Mãos que encararam a vida após sentir tantas mortes. Mãos que recomeçaram após o fim.
Nas minhas mãos: as mãos que nos permitiram a vida, as mãos que nos deram um quintal mágico, o lugar onde as melhores memórias estão seguras e onde iluminadas lembranças se refugiam do mundo.
Nas minhas mãos: o Diamante da rua Diamante. E tudo isso que eu falo é só uma pequena parte. A minha idade é pouco mais do que metade da sua metade. Eu desconheço a maior parte do tudo.
Nas minhas mãos: a fonte do meu sangue, a minha nascente mas também uma ligação a que o corpo físico transcende. Nós já estivemos juntas em um outro plano e para lá um dia, retornaremos.
Nas suas mãos: eu me sinto segura e mesmo no silêncio elas me dizem muito.
Nas minhas mãos: 102 anos de história. No meu coração: a eternidade.