A todos vocês que estão tomando coragem de botar o pé na estrada, não me levem a mal, mas vocês estão enfrentando a parte mais fácil do processo. A crise econômica brasileira é quase um trampolim para tupiniquins finalmente tomaram coragem de fazerem as malas, investirem naquele curso de línguas, na pós-graduação ou naquele ano sabático que sempre sonharam. Digo-lhes com certeza, não se assustem! Essa é a parte mais tranquila e promissora. Ok, vai-lhes causar aquele medo/borboletas na barriga por um bom tempo. Você vai se sentir perdido muitas vezes, tentando chegar em casa ou simplesmente aprendendo sobre a intrincada teia que representa o transporte público de países desenvolvidos. Vai dar algumas mancadas até aprender as novas regras do país, e definitivamente vai colecionar gafes até entender em alguma extensão um pouco da nova cultura. Mas vai passar. A evolução é natural, e logo, tudo aquilo que antes lhe era estranho, você vai chamar de lar.
Morar fora, por um curto ou longo período, é como planejar o próprio exílio. Sim, porque você nunca mais será a mesma pessoa depois da experiência. Vai sofrer da maldição de ter o coração sempre dividido em dois (ou mil). Entre cá e lá. Entre ir embora e ficar. Entre permanecer ou mudar. Vai ser sempre amargo e doce. Chegadas e partidas. Reencontros e despedidas. Vai ter que abrir mão dos eventos importantes da família e dos amigos, vai perder aniversários e casamentos, talvez atrasar aquele velho sonho de comprar coisas – carro, apartamento, casa na praia. Ou vai decidir que não precisa de nada disso, e vai seguir investindo em “ver/viver coisas” mais do que “tê-las”. Ou seja, vai ser um eterno confuso, afinal, não dá pra ter tudo fora da zona de conforto. E uma vez morando fora do seu país, você será para toda vida um despatriado.
A pior parte de ser um despatriado, entretanto, não é a partida ou a adaptação ao novo cenário, mas o momento em que você retorna de onde saiu. Entenda, eu sei disso, porque carrego na bolsa até hoje as chaves da minha casa no bairro londrino de Bermondsey e ando com meu Oyester Card dentro do carro, assim, no caso de eu ter que pegar o tube e voltar para a terra do Big Ben por alguma emergência do destino (e já fazem 5 anos que eu regressei ao Brasil – me julguem!). Sou daquelas que tem ciúmes quando alguém me diz vai visitar Londres. Ok, talvez eu seja um caso exagerado de despatriada. E calma lá, isso não quer dizer que eu não gosto do Brasil, não ame estar próximo a minha família, ou que tenha me arrependido de ter ido, ou sequer, de ter voltado. Não é isso. O problema, é que como todo despatriado, eu nunca mais tive certeza de se queria firmar raízes nem cá, e nem lá. A vida se tornou mais volátil, eu mais adaptável, e justamente dada a multiplicidade de possibilidades, o meu coração cigano, ficou no mínimo, atrapalhado.
Quando você volta a morar no seu país de origem, é normal colecionar manias estranhas e por vezes inconvenientes. Você compara a sua terra natal com a terra de escolha em quase tudo, e segura a língua frequentemente na frente dos amigos, toda vez que pensa em dizer “Lá em Londres/Barcelona/Roma/Austrália, não é assim, é assado”, afinal já cansou dos sorrisos amarelos que recebe sempre que solta a pérola. Você tenta, de maneira maluca, adaptar a sua versão de lá de fora no Brasil. Todo mundo acredita que “morar na gringa”, faz da gente pessoas melhores (e na maioria das vezes, faz mesmo – “é preciso ir embora“). Acontece que é bem comum também ter extrema dificuldade de aplicar todo o nosso bom senso e disciplina aprendido, quando se decide voltar pra casa. A maioria de nós bota a culpa na cultura ou no sistema, e desabafa que “o Brasil não tem jeito mesmo”, enquanto decide não reciclar mais o lixo porque o vizinho não o faz.
Eu sei, é um retorno cheio de expectativas e muitas vezes, com certa dose de frustrações com outros e com a gente mesmo. A maioria dos seus amigos já casou ou se reproduziu enquanto você estava fora, ao passo de que você fica com a sensação de que se tornou um adolescente mochileiro que perdeu o timing, e que pensa em trocar chás de fraldas e de casa nova, por pontos de milhagens de companhia área. Vive com a cabeça no mundo da lua, e arruma qualquer desculpa para planejar a próxima viagem. Despatriado é bem assim mesmo. Fica caçando pessoas na rua que falem o idioma que você aprendeu no exterior, e propõe/impõe conversas sem qualquer acanhamento. Quantas vezes peguei-me interagindo com estranhos pelo simples prazer de ver a minha segunda língua desenferrujada. Pareço um cachorro pidão, que ao invés de pedir comida, implora por verbo to-be e slangs. Eu sinto falta de usar “fucking” nas minhas frases. Adorava ver meu inglês variar entre a polidez do MBA e a bagaceirice do pub.
Sexta-feira passada, acordei com o peito de uma despatriada ainda mais dolorido. A minha segunda casa, a terra que me fez despatriada, deixava a União Europeia. O Reino Unido não parecia mais tão unido, já que se dividiu pela metade na decisão. A Escócia e Irlanda davam sinais de divorcio com a Inglaterra. A ilha mais cosmopolita que eu conheci, agora registrava casos e mais casos de racismo e xenofobia. Senti-me uma filha expulsa de casa. O que é irônico, porque eu como estrangeira, tive minha entrada e saída com tempo determinado – e ainda que eu pudesse ter estendido meu período por lá, foi dentro dos meus termos que eu entrei e sai. Comecei a pensar em todos os despatriados, que fizeram da segunda terra, sua morada para sempre. Aqueles que, ao contrário de mim, não tem mais dúvidas sobre onde querem morar. Pensei nos 2 anos que esse pessoal tem pela frente, vendos britânicos decidirem o destino deles. Se ser um despatriado por escolha própria já é difícil, imagina não ter escolha, como os estrangeiros deslocados ou os refugiados sem pátria?
Hoje de manhã acordei de um sonho lindo. A Rainha Elizabeth me beijava as bochechas enquanto fazíamos selfies em uma das sacadas do Palácio de Kensington. Entendi o sonho como um bom presságio, de que por cima deste referendo, os ingleses irão construir mais pontes do que muros, e vão continuar a ser essa nação misturada e de riqueza cultural incomparável que sempre foram. Espero que o sonho seja o prenuncio de que a “tia Beth” adora estrangeiros, e que não vai deixar seu reino seguir na contramão da globalização. E quero, muito em breve, visitar a Inglaterra e poder olhá-la com o mesmo carinho que sempre tive, e poder falar daquela ilha com o mais alto tom de estima, de quem uma vez foi recebida de braços abertos. E que seja assim em todos os reinos. Mais beijos, e menos divisões.
God save the Queen.