A incrível história das pessoas que se doam demais

Não sei vocês, mas nasci e cresci rodeado de adultos. Fui aquela criança que sempre teve amigos mais velhos, que viveu toda uma infância ouvindo ser maduro demais para a pouca idade. No fundo, isso era motivo de orgulho: mesmo novo, já entendia o valor e o poder de um bom elogio – e lutava contra mim mesmo para que nenhuma glória fosse vangloriada.

Claro que na escola os amigos tinham os mesmos sete anos que eu. E talvez minha insistência em liderar tudo e todos fosse algo bom e, por que não, horrível ao mesmo tempo. Bom enquanto durou. Horrível por ter me tornado um cigarro para quem não fuma: intragável.

Não demorou muito para que eu me sentisse sozinho e enxergasse que meu ego engoliu até quem verdadeiramente sentia-se bem ao meu lado. Ao perceber que o mundo era feito de mim, pra mim e por minha causa, usei da maturidade adquirida de um jeito tão imaturo para, finalmente, perceber que só haveria um jeito de me rodear de gente do bem. Sendo um deles também.

Autodefesa minha ou não, acho pertinente perguntar: será que é tão difícil ser legal e se doar sem dor às pessoas? Responda você, enquanto vou um pouco mais longe e me lembro de que talvez sua vida não seja como a minha, talvez você seja legal por natureza, se doe sem ver a quem e, claro, ache que o melhor da vida é ver o próximo amparado e feliz – por você, mas nem sempre com você e ao seu lado. Sim, afinal existe uma história quase obscura, que os chatos e os legais preferem não contar, sobre as incríveis pessoas que se doam demais.

Eu precisei mudar de escola, de faculdade, de emprego e de cidade para entender que gente do bem só atrai coisa boa – e que se doar a essas pessoas é sempre uma boa ideia. Por isso, hoje acredito piamente ser um bom amigo, daqueles que todo mundo pode contar a hora que for – mesmo de madrugada, de ressaca e sem grana. E tanta preocupação não se resume só aos amigos de longa data: se você me conheceu hoje e o santo bateu, nem esquente, você logo será convidado pra almoços aqui em casa, regados de muito vinho e conversas sem fim. E logo será amparado se o namoro acabar, se o emprego chegar ao fim ou se precisar de um acompanhante depois de uma endoscopia qualquer. É coisa minha. Eu gosto de ter gente por perto tanto quanto curto meus momentos a só. Mas aí vive um problema: ser legal com tanta gente faz com que toda essa gente seja necessariamente legal com você?

Foram tantas as frustrações que só depois de muita análise deu pra alcançar um denominador comum. É difícil não se apegar à lei da reciprocidade. Ela serve pra relacionamentos amorosos, pra amigos de anos e pra colegas de trabalho. Serve pra família, pro chefe, pro porteiro e até pra dona do restaurante que, todo dia, você cumprimenta sorrindo antes de pagar com seu ticket alimentação. No entanto, mesmo quando não se vê uma via de mão dupla a cada abraço apertado, encontro marcado e check in realizado, há diversos momentos em que o certo é não deixar de ser quem se é. E insistir em ser assim.

Eu demorei pra descobrir que possuo amigos dos mais diferentes tipos. Há os que não me procuram de forma alguma, mas, a cada vez que mando um alô, a conversa rende horas e se estende a drinks deliciosos. Outros são do tipo que precisam de tempo: não adianta chamar pro happy hour de toda quinta, o melhor encontro é aquele trimestral, quando sem querer a gente se esbarra no shopping e emenda um jantar. Ainda há os que moram pertinho, mas a gente só vê quando os caminhos se cruzam pelas esquinas da vida, e não se pode esquecer dos amigos de todo dia, dos que moram longe e dos que, mesmo depois de anos sem se ver, você morre de saudade e só deseja o que é bom.

No fundo, amigo é quem a gente pode ver todo dia ou de vez em nunca, mas que cada despedida pareça ter sido poucas horas atrás e que cada sorriso, desconcertado, de canto ou desenfreado, seja com absoluta sinceridade. Talvez se doar a estas pessoas nunca seja demais, porque o bem que elas nos proporcionam independe de reciprocidade, de horário ou data marcada.

Foi preciso passar por cima de tudo que eu achava certo pra perceber o quão relativa pode ser uma certeza. Por isso, desvendar o segredo dessas pessoas que se doam demais talvez não seja tão difícil. Difícil é ser como elas, felizes por natureza e por entenderem, de um jeito tão singular, que reciprocidade não é intensidade, que amizade não é cobrança e que carinho é bom sem medidas. E que cada pessoa que estaciona em nossa vida é uma oportunidade de deixar uma marca só nossa, às vezes indelével, noutras invisível, de alguém que, sem querer, nunca se cansou de se doar demais.

Por Milton Schubert, via Brasil Post



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Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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