Lá estava eu, voltando para a minha casa numa sexta à noite com planos de terminar de ler o livro que estava namorando há uns dias. O livro tratava sobre o Amor através de um olhar filosófico, usando como exemplo um romance entre dois estranhos que se apaixonam numa situação totalmente aleatória, típico cenário que qualquer romântico cobiçaria.
Enquanto subia as escadas da garagem houve uma leve mudança de planos, ao invés de subir e ler no conforto da minha cama, resolvi fazê-lo na companhia da Lua, porém, para melhorar minha leitura, acendi duas velas e coloquei uma em cada braçadeira da cadeira, fiz isso, pois não sou fã de luzes artificiais, elas parecem cansar a minha visão facilmente.
E então, começou, me entreguei ao livro, mergulhei em suas palavras e sua narrativa leve foi me levando, como um mar calmo conduzindo o naufrago pelas suas correntezas, parava somente para sublinhar alguma ideia que me parecesse essencial, como se encontrasse pequenos peixes brilhosos em meio as ondas de palavras.
Em certo ponto, o autor começou a descrever a intimidade do casal, uma zona em que um conhece o outro da mais profunda maneira que até se perdem os nomes e aparecem os apelidos, de acordo com o autor, quando apelidamos a pessoa com quem nos relacionamos estamos dando nome para aquele ser que conhecemos com a intimidade e mais ninguém tem noção de que ele existe.
Neste momento, minha atenção se voltou para uma dança que estava se dando nas páginas do livro, o efeito das velas que foram posicionadas nas braçadeiras fez com que as sombras dos meus polegadores se entrelaçassem. Intrigante foi o fato de que onde as sombras se encontravam era criada uma sombra mais escura, ou seja, a duas se somavam e criavam algo novo e mais forte.
Me ocorreu um “click” e comecei a divagar sobre uma possível analogia para com o amor, e a coincidência de estar lendo sobre intimidade logo fez com que eu confabulasse algo muito maior.
O “click” foi este: quem nos acompanha, quem nos apelida, quem vive conosco, normalmente conhece nossas falhas, evidencia nossos erros e nossas deficiências. Deve ser por isso que quando uma discussão implode, as verdades ditas possam ser tão duras, pois, no fundo, essa pessoa que me conhece tão bem, sabe exatamente quem sou sem a mascara social.
Ela conhece a minha sombra e eu a dela. Nossa intimidade nos proporciona coisas incríveis, não é mesmo?
Portanto, se a chama do nosso amor também produz sombras, seria interessante se pudéssemos ser iguais aquelas que dançavam para mim, sutilmente se embaraçando e criando algo juntas, utilizando-se da essência de cada uma como matéria-prima.
Poderíamos dizer que quem nos acompanha conhece nossa alma, e vice-versa. E o que podemos fazer com esse conhecimento? Talvez, como um bom professor que tenta instruir seus alunos, podemos ser professores das sombras de cada um, criando algo sempre mais forte com o desenvolver da nossa intimidade.
Afinal, a atenção que damos ao ser amado é de dar inveja á qualquer professor. E neste diálogo entre sombras, pode aparecer uma ótima maneira de crescer junto ao companheiro, sempre somando, e quem sabe, essa dança hipnótica que as sombras fazem, não faça com a chama do amor queime ainda mais forte.