Quando somos assaltados por algumas lembranças, temos a mania de mudar o assunto do pensamento.
Tentamos impedir o fluxo das emoções substituindo a recordação. Forjando provas de outras histórias. Remendando a memória com um lembrete de outra cor.
Mas não adianta, as lágrimas denunciam que somos frágeis quando a missão é esconder os sentimentos.
O samba das emoções sacode o passado e entramos num combate exaustivo para não cedermos à tentação da memória. Está tudo ali, acumulado na porta do coração, explodindo na borda dos olhos.
O convite de retorno à máquina do tempo é impiedoso. Não espera a arrumação da alma. Não compreende que o passado deve continuar descansando em paz. Não possui calendário de visita. Aparece a qualquer hora e não respeita o presente de ninguém. Avança como se o tempo não fosse fronteiriço. Como se tudo pudesse parar.
De repente, os sentimentos desabrocham na superfície da alma. A tempestade enche as pálpebras, e perdemos o controle das emoções. Um redemoinho inesperado balança as nossas bases mais secretas. Acontece uma invasão que nos arrasta aos labirintos do passado.
Não temos dom de represa e a memória da emoção é sempre maior que o nosso esquecimento.
Não temos anticorpos contra as pancadas fortes das lembranças, e a avalanche de emoções sempre desaba na hora errada. Como uma chuva na volta para casa. Como uma armadilha que dispara por dentro.
O coração não é confiável. Vive a serviço da repescagem de emoções. Permite o trânsito fácil entre os arquivos das memórias. Passeia entre os tempos sem a vantagem do esquecimento. Anda procurando uma vítima das lembranças e costuma sequestrá-la sem dar maiores explicações.
O coração não respeita ciclos. Não verifica estabilidade emocional antes de emitir opinião. É especialista em adornar passados e usá-los como iscas.
Só nos resta aceitar a viagem no tempo. Afinal, é só mais um truque desse órgão espirituoso que adora ressuscitar nossas memórias mais fundas. Que nos põe diante do inalterável. Do que é só mais uma amostra de um tempo que não ameaça o presente porque já teve a sua vigência. A sua aparição é apenas um aceno de uma janela que se abre para dentro da própria paisagem.