Quando o silêncio responde

Um dia te vi num sonho. Voltava sereno, todo de branco e descalço. E me encontrava.

Sentava ao meu lado sem que eu o tivesse chamado. Sorria com um semblante calmo e gentil. Sabia que eu não queria conversa. Sabia que eu estava contemplando, pensativa, o meu viver.

Você não me pedia perdão pela espera, tão pouco se desculpava por coisa alguma. Apenas queria que eu soubesse que estava ali. E, em um gesto sincero, me entregava nas mãos um envelope amassado.

Nele ofertava-me, silencioso, a resposta que nunca chegou para a carta que um dia eu escrevi. Dizia que eu não precisava mais esperar, que eu poderia ler finalmente as suas palavras, se assim o quisesse.

E eu olhei aquele envelope há tanto esperado e o rodei nas mãos, virando-o inúmeras vezes. E fiquei pensando nos longos meses em que o ansiei.

Lembrei-me das conjecturas pelo vazio que se fez no lugar das suas respostas. Quais foram as minhas conclusões para o teu silêncio? Para mim eu inventei que nosso amor era perfeito demais para que um dos dois pudesse mexê-lo sem provocar algum tipo de mácula. Afirmei que você não sabia colocar em minha língua as tuas palavras. Concluí que você, assim como eu, resolvera esperar pelo dia que pensávamos ser possível.

E então naquela carta, naquela pesada carta que eu segurava nas mãos, estavam todas as respostas perdidas. Estavam todas as horas de espera, todos os momentos de incertezas e dúvidas do meu viver.

Dentro daquele envelope, envelhecido pelo tempo, estavam todos os silêncios e os infindáveis vazios da minha vida. Estavam ali todas as explicações que exaustivamente me cobrei.

Lembrei-me então que tive que aprender a inventar as minhas próprias respostas em meu caminhar.

Descobri, no entanto, que as primeiras respostas que nos surgem são sempre as mais duras e menos ponderadas. Que as primeiras respostas são aquelas que não admitem que haja no silêncio algum tipo de beleza. Que não assumem que existe em nós a força para preencher o vazio com carinho.

Tendo eu compreendido isso, ficou fácil admitir que um mundo de respostas morava dentro de mim e que me cabia escolher as melhores.

Decidi então, com o passar dos anos, me propor explicações mais serenas e mais gentis. Decidi me abster da culpa pelo que não tinha sido. Abster-me da culpa de não saber se tinha feito o que podia fazer.

Cobri-me enfim de autenticidade.  Tratei de ser o que era, sem jogos ou rodeios.

Amei infindáveis vezes e chorei o amor tantas outras. Desisti de te lembrar, desisti de te esquecer também. Construí uma vida.

Me construí e desconstruí infindáveis vezes, independente do que os outros me diziam. O que os outros diziam já não importava mais.

Aprendi que o mais importante era o que eu podia me contar sobre mim e sobre os que me tocaram o coração.

E com aquele envelope, você lembrou-me que eu ainda me importava em saber de você. E tendo as suas palavras entre minhas mãos, chorei. Não por lê-las, pois sabia que não o faria, mas por ver você voltar sereno até mim. Deixando-me a sensação de carinho e respeito que deveria permear todos os amores, sendo eles incompletos ou não.

Chorei por me dizer por meio da carta, que eu nunca leria, que você ainda se importava e que respeitava minha decisão de não a ler. Que entendia minhas razões para não aceitar as suas razões no lugar das minhas.

Eu tinha me bastado. Tinha aprendido a deixar o meu silêncio se enfeitar de ternura, como em primavera, e permitido assim que você morasse sereno em mim, sem pretensões, como um anjo envolto em mistérios, como um anjo repleto de silêncios aos quais um dia eu haveria de me entregar.

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Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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