Certa vez, uma amiga virtual, na verdade, alguém que eu mal conhecia e que constava na minha lista do Facebook há pouco tempo, me escreveu uma mensagem, perguntando como eu estava e me desejando um lindo dia. Eu li a mensagem, mas não pude responder de imediato, pois estava bastante ocupado com outras coisas e tive que sair com pressa. Quando voltei e finalmente pude parar para responder, vi que ela havia escrito outras mensagens e me assustei com o que li: primeiro ela perguntava se havia acontecido alguma coisa, dizendo que estava preocupada pela minha falta de resposta e que esperava que estivesse tudo bem. Mas a coisa foi piorando nas mensagens seguintes, com ela perguntando se eu estava chateado, se ela tinha feito algo de errado, se tinha me magoado, se eu estava com raiva e outras coisas semelhantes, até que encerrou dizendo que tudo bem, que me deixaria em paz, mas que gostaria de saber porque eu não gostava dela.
É possível que você agora pense que essa mulher estaria louca, que teria algum distúrbio mental sério, que se trata de um caso extremo e de uma exceção. E eu concordaria que se trata de um caso extremo, mas não acho que ela seja louca e nem que seu comportamento seja uma exceção. Em minha opinião, seu problema não seria nenhum distúrbio mental, mas sim emocional, mais precisamente carência afetiva.
Qualquer um que pare para observar com calma a dinâmica em redes sociais poderá constatar exatamente isso: muita carência afetiva, muita necessidade de buscar reconhecimento e confirmação, de receber atenção, mesmo que virtual, mesmo que de gente que nem conhece (direito), mesmo que seja através de um like na foto do perfil ou um comentário qualquer em um algo postado ou compartilhado.
Essa carência pode se manifestar de várias formas, mais ou menos intensas, mais ou menos graves, e penso que afeta muito mais gente do que acreditamos e estaríamos dispostos a admitir.
A coisa é tão séria que já vi mais de uma vez gente postando algo, curtindo o que postou, depois comentando o próprio post e curtindo o próprio comentário, talvez pela frustação de ninguém mais ter dado qualquer atenção à postagem.
Um indício de uma forte necessidade de autoafirmação de muita gente é a altíssima sensibilidade ao receber críticas e, ao mesmo tempo, a enorme disposição de criticar os outros, numa ânsia quase patológica de querer ter razão custe o que custar, mesmo quando o que rege é uma irracionalidade infinita. Discussões inofensivas terminam então numa guerra de vaidades, insultas e beiços torcidos.
Outro fenômeno que também demonstra muito bem essa necessidade de autoafirmação são os selfies, que inundam literalmente e diariamente as redes sociais. Não raramente tive a impressão de que tem gente que passa o dia fotografando a si mesma, como se nada mais houvesse para se ver neste mundo. Como se isso não bastasse, li um artigo que descrevia diversos apps que as pessoas usam para ficarem mais “bonitas” em selfies, ou seja, na caça por autoafirmação vale tudo, mesmo que seja receber curtidas e elogios por fotos manipuladas de si mesmo. E a coisa fica ainda mais bizarra quando se vê essas mesmas pessoas falando então de autenticidade e sinceridade.
A “necessidade de aparecer” ficou tão importante que viajamos para longe, muitas vezes muito longe, mas não conhecemos realmente os novos lugares que visitamos, pois estamos tão ocupados com as fotos que precisamos fazer para postar e mostrar onde estivemos que praticamente não paramos para aproveitar o momento. Moro numa área turística de Berlim e deparo-me diariamente com turistas de toda parte do mundo, todos com uma preocupação comum: fazer fotos, fotos e mais fotos, numa competição fotográfica sem comparação. O que vejo são smartphones, tablets e câmeras apontando para algum lugar, paus se selfies e gente correndo de um lado para o outro, buscando o melhor ângulo para as fotos a serem postadas logo em seguida.
Não estou abordando esse assunto com o objetivo de criticar ninguém. Muito mais me preocupo com uma tendência que acho alarmante e que deveria nos levar urgentemente a uma profunda reflexão sobre nosso comportamento no mundo virtual e sobre o que isso diz sobre nossa vida real. Será que não estamos nos entregando a ilusões? Será que não estamos perdendo o verdadeiro de vista? Será que não estamos confundindo o ser (realmente) com o mostrar o que queremos que seja? E, finalmente, será que não estamos fugindo de nós mesmos, de nossos problemas reais, de nossos medos e nossas frustações, de nossas inseguranças e carências? Preferimos a doce ilusão virtual à dura realidade, as centenas ou mesmo milhares de amigos virtuais à solidão à nossa volta, as aventuras cibernéticas ao tédio de dentro de casa?
Nossas carências reais precisam ser cuidadas na vida real e jamais poderemos encontrar o conforto que desejamos num ambiente virtual. Fugir da realidade nunca é o caminho e nunca resolve os problemas que temos. Buscar consolo virtual para problemas reais não é muito diferente de anestesiar a alma com drogas: quando o efeito passa, a realidade espera por nós e nada se resolveu.
O que fazer? Abandonar totalmente o mundo virtual e voltar-se unicamente ao mundo real? Não, não creio que isso seja necessário e talvez nem seja mais possível. Penso que bastaria um maior senso crítico e autocrítico, observando a nós mesmos e também aqueles com quem interagimos, questionando certos comportamentos, próprios e alheios, buscando, mesmo na internet, o que é realmente autêntico, apostando no verdadeiro, policiando as ilusões e, principalmente, cuidando do mundo real, tentando resolver os problemas com lucidez, esclarecendo os relacionamentos, satisfazendo as carências, enfim, arrumando a vida verdadeira e centrando-se para poder curtir o mundo virtual sem correr o risco de se perder nele.
Gostei muito deste texto. Como pessoas são de fato tão carentes! No começo não entendia, amigos de amigas (os) que eu não conhecia, e reclamavam porque eu não curtia.Seu escrito me deu um grande” insights.: